Na próxima segunda-feira, 27, a Linha 15-Prata do Metrô completará dois meses paralisada e sem que haja um horizonte claro sob seu retorno à operação, por conta dos problemas causados pela pandemia do coronavírus. A causa, como se sabe, foi o rompimento de um pneu de um dos trens de monotrilho e que fez a Bombardier, sua fabricante, recomendar ao Metrô que suspendesse o serviço até que fosse possível entender o que causou o incidente.
Desde então, o governo do estado tem apontado não só a Bombardier como o consórcio CEML (formado também pelas construtoras OAS e Queiroz Galvão) como responsáveis pelo problema. A empresa canadense, por sua vez, pouco veio a público para explicar o que está fazendo, a não ser por um insólito comunicado enviado dias após o episódio. Segundo a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, o CEML está realizando correções nas vias e nos trens enquanto a demanda da linha é pequena por conta da quarentena imposta pela pandemia.
Embora o secretário da pasta, Alexandre Baldy, tenha chegado a anunciar que o ramal voltaria a funcionar no dia 23 de março de forma provisória e plenamente no dia 16 de abril, houve uma mudança de estratégia pouco tempo depois. Nesse meio tempo, o executivo afirmou que o estado processaria o consórcio pelas perdas volumosas de receita e também por afetar a mobilidade na região.
Essa promessa se concretizou no início de abril quando o Metrô enviou uma petição à Justiça em caráter liminar para que o CEML apresentasse um plano de ação para retomar a operação da linha. No entanto, a juíza Paula Cometti negou a chamada tutela antecipada por entender que a petição era em si o objetivo final da ação, ou seja, que primeiro a companhia deveria acionar o consórcio e então pedir uma liminar para que ele resolvesse o problema e ressarcisse os cofres públicos até que o mérito fosse julgado, sob pena de ver o ramal parado indefinidamente.
A petição, no entanto, revela graves acusações do Metrô ao consórcio e sobretudo à Bombardier, desde a tentativa de repassar o ônus para a operadora à falta de respostas claras e soluções para o que ocorreu. O site relata a seguir os principais pontos do documento:
O incidente
O episódio ocorreu no dia 27 de fevereiro, uma quinta-feira, com a composição M20. Segundo o documento, houve uma explosão no pneu de carga do carro 4, ou seja, um dos pneumáticos que ficam na parte superior da viga e servem para suportar o peso dos vagões. O rompimento acabou fazendo com que peças do runflat, um anel metálico que serve como anteparo em caso de esvaziamento de pneus, fosse lançado na via pública, como mostraram imagens divulgadas na época.
A causa
Segundo um relatório considerado “lacônico” pelo Metrô, a Bombardier atribuiu o incidente ao fato de o run-flat ter tocado o pneu na sua face interna, provocando sua explosão. E o que teria ocasionado isso? Irregularidades na superfície das vigas-trilho, onde os pneus de carga se apóiam.
A tentativa de repassar a responsabilidade ao Metrô
Logo após o incidente, o Metrô recolheu o trem avariado e acionou a Bombardier para analisar o ocorrido. Na sexta-feira, enquanto a Linha 15-Prata funcionava, a empresa enviou correspondência à companhia recomendando a imediata paralisação da operação, o que acabou sendo determinado a partir do sábado e que vigora até hoje. Segundo o documento, “o Consórcio Expresso Monotrilho Leste serve-se da presente para, diante da gravidade do episódio e potenciais riscos de acidentes envolvendo usuários e/ou transeuntes, recomendar a imediata paralisação da operação da Linha 15 – Prata pelo Metrô de São Paulo, até que se tenha os resultados das análises deste incidente“.
A constatação foi tão repentina que o Metrô anunciou a paralisação do ramal no final da noite de sexta-feira sem esclarecer na época os motivos, o que causou suspeitas de um problema mais grave. Segundo a companhia, o consórcio tentou se eximir da responsabilidade caso a operação fosse mantida, sem no entanto, fornecer subsídios para uma decisão.
Determinação ignorada
Diante da situação, o Metrô diz ter solicitado ao consórcio que apresentasse num prazo de até 24 horas um plano de trabalho para retomada da operação, mas que foi ignorado pela empresa. O CEML só teria voltado a se manifestar uma semana depois do incidente quando se prontificou a realizar inspeções 3D da montagem das rodas e digitalização a laser dos componentes instalados dentro dos pneus, além de propor testes dinâmicos com instrumentos para monitorar o funcionamento do conjunto “especialmente acelerações verticais que induzem à deflexão dos pneus“, diz o documento da Bombardier reproduzido na peça.
Chama a atenção, no entanto, o item “D” da carta, em que a Bombardier, embora se comprometendo a adquirir novos lotes de pneus e de estudar medidas mitigatórias para retomar a operação, não reconhece que os problemas foram causados por ela e seus sócios: “a implementação de tais medidas não implica em reconhecimento de culpa por parte deste Consórcio, cujo custo será apurado oportunamente e repassado àqueles que deram causa ao(s) incidente(s), tão logo seja disponibilizado o laudo técnico“.
O “Powerpoint”
Somente 15 dias após o incidente, o consórcio CEML apresentou um plano para retomar a operação, explica o Metrô. No entanto, segundo a empresa, a proposta do fornecedor se resumiu a uma lâmina de Powerpoint em inglês (acima) que trazia um cronograma de entrega de pneus sobressalentes e tubos de graxa para serem aplicados nas composições. Nessa previsão, seria possível retomar a operação no dia 23 de março, uma segunda-feira, após a correção do problema em 12 dos trens.
É justamente essa a data informada por Baldy como da retomada parcial na época. Mas o que não se sabia é que a Bombardier pretendia que o Metrô operasse apenas no trecho Vila Prudente-Oratório, com pouco mais de 2,5 km de extensão e que foi o primeiro a abrir em 2014. E que recomendava que as composições tivessem parte dos vagões isolada e que não circulassem abaixo de 30 km/h. Explica ainda o Metrô que o consórcio estipulou diferentes pressões para os pneus e de ajustes de alarmes que contrariam os manuais da própria fabricante.
A companhia, no entanto, teria solicitado ao consórcio a avaliação da retomada total da operação, mas o CEML voltou a insistir na operação parcial e fora das características originais.
Irregularidades nas vias
A petição do Metrô também esclarece outro ponto crucial que tem impedido que a Linha 15 volte a funcionar, as irregularidades nas vias. Logo no início das análises, o CEML identificou apenas dois pontos em que seria necessária a correção da superfície, mas tempos depois apontou nada menos que 35 locais que precisariam ser corrigidos apenas entre as estações Vila Prudente e Oratório. Em entrevista nesta semana, o secretário dos Transportes Metropolitanos revelou a existência de mais de 195 pontos, no entanto.
Prejuízo crescente
O Metrô também apresentou a Justiça uma tabela que mostra o impacto do fechamento da Linha 15 tanto em perda de receita tarifária quanto no custo necessário para bancar o serviço de ônibus PAESE, fornecido pela prefeitura para cobrir o percurso do ramal. Entre os dias 29 de fevereiro e 23 de março, a companhia alega ter acumulado um prejuízo de quase R$ 15 milhões. A maior parte se refere justamente ao PAESE, que onerava os cofres da empresa em mais de R$ 10 milhões na época. Ou seja, o prejuízo acumulado após mais um mês é bem superior a esse.
O que o Metrô pediu à Justiça
Na petição, a companhia pede que a Justiça obrigue o consórcio CEML a apresentar em até 48 horas o relatório técnico que demonstra a “causa raiz” do incidente, incluindo dados integrais dos testes. Não se sabe se esse documento acabou sendo entregue no decorrer desse período, no entanto.
Além disso, exige que o consórcio apresente em até 10 dias corridos um plano de retomada da operação de forma segura e condições normais de operação. E que o consórcio arque com uma multa diária de R$ 500 mil caso não apresente os pleitos do documento.
Segundo o advogado Lucas Santo, ouvido pelo site, “a juíza entendeu que na verdade o que o Metrô pedia era o objetivo final da ação e não somente uma liminar. Isso é algo que se confunde com o objeto principal da ação, ou seja, o mérito e por isso a juíza considerou que não era o caso de acatar aquele pedido. Diante disso ou o Metrô recorre ou permanece discutindo isso sem qualquer prazo definido para uma reabertura, por exemplo”.
Oficialmente, o governo do estado tem dito que o consórcio está executando as correções necessárias e que a Linha 15 só não abriu ainda por conta da baixa demanda causada pela quarentena. Baldy também deixou claro na mesma entrevista à rádio em que relatou os defeitos na via que a Bombardier reconheceu seu erro. Porém, não basta apenas isso. O prejuízo causado pelo problema não é do governo nem do Metrô, é da população, que arca não só com os custos dessa paralisação como também pelo desgaste extra de não ter acesso a um transporte coletivo de qualidade.
infelizmente, essas contratadas fazem o que bem entendem nos serviços prestados as empresas metroferroviárias.
Quer mesmo nos fazer acreditar que um lado (estado) é casto, inocente, santo e o outro (iniciativa privada) representa a maldade, a corrupção e tudo o que há ruim no mundo?
Um problema como esse é complexo, mas não difícil de se encontrar culpados.
O Metrô provavelmente estabeleceu no escopo do projeto qual a carga estipulada (número de passageiros) das composições e qual velocidade deveria atingir (quero acreditar que sim).
A Bombardier ciente disso, deve ter projetado e construído suas composições imaginando todas as cargas, esforços estáticos e dinâmicos, assim com a frequência modal a qual os componentes seriam submetidos, o que levaria a mesma a propor uma tolerância para irregularidades na via.
Para a solução do projeto, acredito ser dificil corrigir tais irregularidades na via, se houverem.
Diminuir a velocidade e o peso proposto também seria inviável, pois aí o modal não seria mais vantajoso.
Restará a Bombardier, ou há alguma outra empresa, adaptar as composições para os parâmetros agora conhecidos.
E se caso as composições não comportarem tais adaptações, será preciso novos trens mais robustos.
Corre-se o risco do projeto que já foi caro, ficar ainda mais caro.
Entende-se que projetos necessitam de maturação, mas a tecnologia não é tão nova assim. Como já dito aqui em vários comentários, varias cidades na Ásia já utilizam monotrilho em larga escala.
Talvez a aplicação (um monotrilho para fazer papel de metrô pesado), essa sim pode ser nova, e aí o risco foi todo do Metrô.