A situação tem sido comum: ao chegar ao limite previsto em lei para aditivos (de 25% do valor da obra), órgãos públicos acabam sendo obrigados a fazer uma nova licitação para concluir projetos. É o que tem ocorrido nos últimos meses com a expansão da Linha 5-Lilás, do Metrô. Em quase todos os lotes, novas empresas estão assumindo o trabalho para concluir as obras, acarretando em aumento de custo no projeto como um todo.
O jornal O Estado de São Paulo divulgou nesta terça-feira (25) que o Lote 5, que envolve as estações Eucaliptos e Moema, terá as obras finalizadas pelo consórcio Via-Planova II , que receberá R$ 64,5 milhões para isso. O consórcio atual, que une Heleno & Fonseca e Tiisa, recebeu até agora quase R$ 500 milhões para executar as obras civis do trecho, quase R$ 100 milhões a mais graças aos aditivos justificados por obras não previstas no projeto.
Segundo o Metrô disse ao jornal, os custos subiram por conta de novos serviços que surgiram a medida que obra avançou. Para o Tribunal de Contas, os custos podem ser irregulares e investiga o aumento entre o material usado e o orçado para mostrar que a obra teve um aumento de mais de R$ 1 bilhão no geral. E ainda existe um outro processo em curso que alega que a licitação dos lotes teria sido combinada entre as construtoras, para que cada uma ganhasse um dos lotes sem concorrência das demais.
Mas, afinal, com uma Lei de Licitações tão detalhada não deveríamos evitar isso? Pelo que se vê, não. Embora cheia de entraves que deveriam impedir aumentos de custos e certames que prejudicam o erário, a legislação não reflete a realidade das obras.
Na teoria uma coisa, na prática, outra
A começar pela imprevisibilidade de obras complexas como uma linha de metrô. Custos extras acabam surgindo com frequência, mas o limite de 25% deveria resolver isso. Mas até que ponto o projeto está correto? Esse é outro grande problema das obras públicas.
Elas deveriam começar apenas com o projeto executivo, que prevê com mais precisão as quantidades de material e serviços, porém, na prática muitas obras são iniciadas apenas com o projeto básico, cabendo às vezes a terceiros tocar o projeto executivo.
Interferências não previstas também são comuns e exigiriam um detalhamento muito mais aprofundado do solo. No entanto, como fazer isso se muitas vezes o terreno ainda está nas mãos do proprietário que está em processo de desapropriação? Sem falar nos atrasos em licenças ambientais, projetos e na liberação de imóveis que acabam aumentando o custo também.
Falta de transparência
A fiscalização também é outro aspecto obscuro no processo. Em muitos casos é feita por empresas terceirizadas quando o próprio gestor público não tem capacidade física para acompanhar a evolução da obra. Eis um ponto em que pouco se sabe: mesmo um órgão como o Tribunal de Contas tem dificuldade em comprovar que houve excesso de gastos acima do permitido. É preciso analisar documentos, pedir explicações para se chegar a uma conclusão que leva muito tempo. No cenário ideal, esses dados deveriam existir em tempo real a serem divulgados não só para o tribunal como também para a sociedade e a imprensa e de forma legível. Atualmente, os problemas surgem muito tempo depois de terem ocorrido, quando só resta o caminho da justiça. Seria muito mais produtivo detectar o problema no seu início, ou melhor, impedi-lo de acontecer.
Mas talvez o maior problema das obras públicas esteja no fato de a sociedade não ter formas de cobrar pela falta de eficiência ou pelos gastos exorbitantes, sem falar nas suspeitas de corrupção. Hoje uma obra importante como uma linha de metrô atrasa e nada acontece com os envolvidos. Políticos não perdem o cargo, funcionários públicos que deveriam cobrar a execução seguem no seu emprego e empresas contratadas atrasam seu trabalho sem que isso acarrete em nenhum tipo de punição ou pressão para que cumpram o contrato. Quando isso ocorre, os questionamentos na Justiça levam tempo demais e não impedem que elas sigam trabalhando com o poder público em outras frentes.
É preciso que exista uma fiscalização externa e presente no dia a dia dessas obras capaz de impedir que essas situações surjam. Uma das soluções já apontada é um seguro para o projeto, como ocorre em outros países. Como o (alto) custo de uma interrupção ou aumento de gastos cairia no bolso dessa seguradora contratada ela seria um elemento ativo de fiscalização capaz de pressionar para que as obras sigam dentro do prazo e do orçamento.
Sem mudanças como essas, a “Lei das Bestas” (como é apelidada a Lei nº 8666), seguirá apenas como um conjunto de boas intenções, mas sem efeito prático.
Por diversos motivos apontados na própria matéria, o problema não é a Lei e sim a apuração de responsabilidades e fiscalização dela decorrentes.
Não se trata,portanto, de inutilizá-la, mas sim de aperfeiçoar seus mecanismos de controle e gestão.
Dizer que a Lei é inútil, é o mesmo que dizer que o Estado é um fracassado e que a livre iniciativa é mais eficaz, coisa que a prática têm demonstrado ser tão ruim quanto o planejamento público dessas obras.
Caro Danilo, concordo em partes. Vivemos num país onde, além de ser promulgada, uma lei precisa ‘pegar’. Ou seja, se nem a sociedade e os órgãos de controle conseguem tornar uma legislação ser efetiva como garantir que ela não é parte do problema? Se fosse tão clara assim, não só a Lei nº 8666, mas outras que envolvem essa atividade, não estaríamos vendo tanto descaso com os recursos públicos, concorda? Mas a solução é o que você diz: ela precisar ser aprimorada e levada à risca também pelas instituições.
Obrigado pelo comentário,
Ricardo Meier
A legislação tem o papel de regular uma determinada conduta. No caso em questão, que os processos de contratação garantam os menores custos para o poder público, com empresas que atestem sua capacidade de executar o escopo do contrato. Entretanto, há no Brasil um sério problema verificado em legislações que visam “proteger” o que é de interesse público: as leis muitas vezes surtem efeito contrário ao que se propõe. É o caso, por exemplo, da Lei de Proteção aos Mananciais, que intencionava coibir a ocupação do entorno das represas. Faltou fiscalização, não se pode negar. Mas no caso dessas leis que, ou surtem o efeito contrário ou são grandes entraves ao invés de serem facilitadoras, não cumprem o papel a que se propõe, existe uma grave falha: sua contextualização em um meio social, econômico e político complexo. Se a Lei dos Mananciais derrubou os preços dos terrenos ao redor das represas e não havia investimentos em quantidade adequada em habitação para a população de baixa renda, para onde mais iriam essas pessoas? Raciocínio semelhante pode ser aplicado à Lei de Licitações. É necessário, ao se revisar leis tão complexas, considerar que ela não termina em si, mas está inserida em uma realidade e em uma estrutura que transborda seus limites e que, se ignorados, podem causar situações não só de irregularidades como também de atraso para nossa sociedade.
Ricardo, um amigo me disse que assistiu uma reportagem dizendo que há um problema de alagamento ou infiltração (sei lá) nos túneis após a estação AACD-Servidor, e por isso os trens só chegarão até esta estação. Mas até agora não li nada sobre isso. Você tem conhecimento sobre algo deste tipo?
Olá, Paulo, tudo bem? Não tinha conhecimento desse problema até agora. Em julho eu percorri esses túneis e não lembro de ter visto nada nesse sentido. Vou me informar com o Metrô e volto a postar.
Obrigado,
Ricardo