Procedimento arbitral de indenização pelo fim da Linha 18-Bronze tem novos capítulos

Concessionária VEM ABC e a Procuradoria Geral do Estado trocaram acusações em réplica e tréplica enviadas à Câmara Brasil-Canadá, que coordena o caso. Definição do valor a ser pago pelo governo Doria deve ocorrer ainda neste ano
Projeção mostra a Linha 18-Bronze (VEM ABC)
Projeção mostra a Linha 18-Bronze (VEM ABC)

O procedimento arbitral requisitado pela VEM ABC, concessionária responsável pela Linha 18-Bronze do Metrô, contra a “resilição unilateral” promovida pelo governo Doria, teve novos capítulos nas últimas semanas, como mostram documentos disponibilizados no processo.

O caso está sendo analisado pela Câmara Brasil-Canadá, escolhida como mediadora após a VEM ABC e a Procuradoria Geral do Estado, que representa o governo, não chegarem a um acordo em relação à indenização.

A VEM ABC quer que o governo arque com um pagamento superior a R$ 1,3 bilhão pela quebra do contrato em 2020, quando a gestão Doria determinou o fim do projeto alegando sua inviabilidade.

Como o site mostrou em várias ocasiões, o contrato não prevê esse tipo de interrupção, apenas se a concessionária não cumprir com suas obrigações, o que nesse caso foi justamente o contrário – o governo não bancou as desapropriações para início das obras, cuja PPP foi estabelecida em 2014.

Em réplica enviada em 19 de novembro, a concessionária rebate os argumentos iniciais do governo Doria, de que houve um “esforço máximo” para obter o empréstimo, mas que condições alheias ao processo impediram o sucesso da iniciativa.

O ex-governador Geraldo Alckmin durante anúncio da Linha 18: pronta em 2018 (GESP)

“Acatar a tese do Estado de São Paulo significaria dizer que o Tribunal Arbitral deve fechar os olhos para a ilicitude cometida pelo Requerido [governo Doria] e desconsiderá-la quando da sua condenação ao pagamento de indenização pelos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela Requerente [VEM ABC]”, diz o documento.

“É dizer, ao invés de encerrar contratos de concessão seguindo as hipóteses legais, o Poder Concedente poderá simplesmente arguir a tese de ‘resilição unilateral’ quando lhe for conveniente, sem receio da sua plena e integral responsabilização pelo término irregular dos contratos”, completa.

A VEM ABC voltou a apontar uma invencionice dos advogados do estado que criaram a tese da “etapa preliminar” para justificar que o contrato não estaria vigente desde 2014, mesmo que a concessionária tivesse que cumprir suas obrigações desde o princípio.

Estação da Linha 18-Bronze: visual mais leve e moderno
Projeção de estação da Linha 18-Bronze

“Se a argumentação do Requerido fosse verdadeira, as coisas ficariam fáceis: basta o Poder Concedente estruturar uma PPP com recursos de financiamento e criar uma ‘Etapa Preliminar’ (não vinculante, como ele pretende). Se o Estado obtiver o financiamento, a PPP vinga e o interesse público é satisfeito. Se o Estado não obtém financiamento, então a PPP não vinga e tudo bem. Nada acontece”, explicaram os advogados da empresa.

A concessionária traz ainda uma discrepância sobre a alegada falta de capacidade de obter crédito com o fato de o governo ter conseguido remanejar recursos do BNDES para projetos como a Linha 6-Laranja e o Rodoanel Norte.

Por fim, a VEM ABC acusa o governo Doria de extinguir a Linha 18-Bronze premeditadamente, “com o propósito claro de substituir o modal de monotrilho pelo modal do BRT, que, por sua vez, é um projeto desenvolvido sob medida para atuação de uma única empresa e para atender aos seus interesses, e não em razão de qualquer justificativa técnica ou econômica robusta evidenciando a vantajosidade dessa troca”.

“Diferente do quanto afirma o Requerido em sua Resposta às Alegações Iniciais, a convicção desta Requerente da motivação política para extinção do Contrato de Concessão não deriva apenas de ‘declarações emanadas por agentes políticos ou noticiadas por jornalistas’, mas de documentos do próprio Estado que denotam que o projeto do BRT-ABC já estava sob análise antes mesmo da extinção unilateral ser levada a cabo”, contestou.

“Estamos diante de um caso clássico e infelizmente comum de inadimplemento do Estado em que, para realizar um objetivo político, o Estado encerra um ajuste e deixa que o particular busque a via arbitral para ver seus direitos serem satisfeitos. Este tipo de comportamento oportunista é o que tem levado aos agentes econômicos a precificarem cada vez mais o ‘risco do Estado brasileiro’, em prejuízo ao sistema como um todo. E isso não pode ser tolerado”, concluiu.

Linha 18-Bronze: processo de arbitragem deve ter um desfecho em 2022 (VEM ABC)

Foco em reduzir os danos

A tréplica da Procuradoria Geral do Estado, enviada no dia 11 de janeiro deste ano, gasta 80 das 126 páginas do documento para tentar convencer a comissão de julgamento a definir um valor de indenização à VEM ABC bem inferior ao que ela pede.

Os advogados do estado repetem os mesmos argumentos anteriores, de que “a referida obrigação não pôde ser concretizada, a despeito dos inúmeros esforços realizados pelo Requerido durante mais de seis anos”, compartilhando uma lista de troca de e-mails com o governo federal, Caixa Econômica e BNDES.

Em outro ponto, fala sobre o decreto de desapropriação vencido, que impediria o início das obras e tenta justificar que a falta de crédito do governo é algo diferente do que ocorreu com a concessionária Move SP, empresa que foi afastada da Linha 6-Laranja por não obter crédito para o projeto.

A PGE volta a bancar que existe uma diferença legal entre “vigência da concessão vs vigência do contrato” para justificar o fim do contrato sem que seja preciso bancar uma indenização elevada.

Mapa da Linha 18-Bronze (Divulgação)

Aparentemente ciente de que terá de arcar com um valor indenizatório, o governo foca em reduzir os danos do processo. Para isso aponta incoerências nos cálculos da VEM ABC a respeito dos seus custos, incluindo listar rendimentos financeiros como parte da receita.

“A magnitude dos números envolvidos escancara a desproporcionalidade do que se pede: de um total de R$ 37,8 milhões integralizados no projeto – dos quais cerca de R$ 12,8 milhões foram retirados, ao longo do tempo, em benefício dos patrocinadores –, a Requerente pretende receber R$ 1.312.915.392,95 (um bilhão, trezentos e doze milhões, novecentos e quinze mil, trezentos e noventa e dois reais e noventa e cinco centavos), pretendendo auferir um retorno de quase 100% ao ano, que faz com que o valor de seu investimento seja multiplicado por quarenta e três vezes em um período de apenas seis anos de aplicação”, diz a Procuradoria.

Por fim, o governo negou que a extinção antecipada possa ser qualificada como “encampação ou encampação indireta”, dispositivo em que o estado assume o projeto após indenizar o parceiro privado.

Após essa fase, a câmara de arbitragem passou a receber as provas das partes, o que estava previsto para o dia 11 deste mês. Na sequência, a concessionária e o governo do estado terão 60 dias para apresentar as alegações finais.

O tribunal arbitral, então, terá até 60 dias para proferir a sentença arbitral, prazo que pode ser estendido por mais 60 dias. O processo pode se prolongar por mais alguns meses caso um dos envolvidos decida pedir esclarecimentos ou apontar erros no processo. Ou seja, uma definição pode ocorrer apenas no final deste ano.

Obras do BRT começam em meio a processos pendentes na Justiça e no Tribunal de Contas

Alheio ao potencial prejuízo aos cofres públicos do processo arbitral, o governador João Doria realizou um evento simbólico de início das obras do BRT-ABC, bancado pela Metra, empresa que apresentou o projeto ao tucano logo no início de seu mandato como uma solução para substituir a Linha 18-Bronze, que afetaria suas receitas com o Corredor ABD, de ônibus.

O evento ocorreu no Terminal de ônibus no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, onde será instalado um centro de controle do modal. Doria posou ao lado de uma retroescavadeira como exemplo da “obra”.

Segundo Paulo Galli, secretário dos Transportes Metropolitanos, o corredor de ônibus será inaugurado em 2023, mas sem revelar uma data mais precisa. O projeto depende de licenciamentos ambientais e também de desapropriações, que ainda não foram tornadas públicas.

Com três tipos de serviços, o BRT-ABC levará 40 minutos para ir do centro de São Bernardo até a Linha 2-Verde do Metrô, ou cerca de 14 minutos a mais do que o previsto para a Linha 18-Bronze. Mas esse tempo deverá ser maior já que se trata do serviço “expresso”, com poucas paradas pelo caminho.

A capacidade do corredor de ônibus, que seria de apenas 115 mil passageiros por dia, um terço do prometido por Doria em 2019, agora passou a ser de 173 mil usuários, segundo comunicado divulgado nesta quinta-feira, ou metade do que seria capaz de transportar o monotrilho.

O projeto começará a ser implantado em meio a processos em curso na Justiça de São Paulo e no Tribunal de Contas do Estado que reconheceram indícios de irregularidades no aditivo assinado junto à Metra, como a inclusão do BRT-ABC num contrato que é específico do Corredor ABD.

As peças de acusação apontam ainda que o governo Doria teria manobrado para evitar uma nova licitação pública para conceder os serviços no ABC Paulista, a fim de concentrar os contratos apenas com a concessionária, cujos controladores dominam o transporte de ônibus na região.

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  1. Torço muito que dessa vez pelo menos a justiça de São Paulo seja tão lenta ou mais que o normal, pra que cheguemos em 2023 e o nosso novo governador ponha um fim nessa palhaçada toda.

    Que o próximo governante tenha como prioridade número 1 o retorno imediato da Linha 18 – Bronze!

  2. Canalhice demais o que fizeram, essa indenização deveria sair do bolso do “Jestor”. Dá nojo essa foto na frente desse trator, tomara que dê tudo errado em relação a esta obra, pois depois de pronta já era…teremos que engolir esse lixo goela abaixo.

  3. Não entendo como nenhum deputado estadual contestou isto. Talvez seria o caso de se fazer uma CPI e a quebra de contrato com o consórcio anterior ser questionado na Justiça e não por processo arbitral.

  4. Se o motivo alegado pelo “Jestor” foi que o monotrilho é caro e ineficiente, porque não optaram pela construção de um VLT, nos moldes do VLT da Baixada Santista? As estações são bem simples e o VLT carrega muito mais gente que ônibus. Mas obviamente que o “Jestor” não iria deixar os seus amigos da Metra chateados se tomasse essa decisão também. Só SP mesmo para oferecer o monopólio de ônibus metropolitanos no ABC + BRT a uma única empresa por ter “ameaçado” a sua operação com um modal muito superior.

    Espero que a população sofrida do ABC lembre-se disso nesta eleição.

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