Parada há quase um mês, a licitação de concessão das linhas 5 e 17 tem criado mais dúvidas que certezas na opinião pública e também em alguns órgãos como o próprio Tribunal de Contas do Estado (que suspendeu o certame) e até na imprensa. O jornal Folha de São Paulo, por exemplo, publicou nesta quinta-feira um longo artigo que mais desinforma que contribui para esclarecer a situação.
Sob o título de “Monotrilho de Alckmin para ligar Morumbi a Congonhas dará prejuízo”, a matéria já oferece uma visão distorcida logo de cara. Ao afirmar que a Linha 17-Ouro será deficitária o jornal passa a impressão que outras linhas do Metrô dão lucro. E isso é algo extremamente relativo em transporte público. Pegue-se apenas um exemplo, o do sistema de ônibus da capital paulista, que mesmo operado pela iniciativa privada, exige subsídios bilionários da Prefeitura – ou seja, dá prejuízo também.
Mas transporte público não é um negócio para trazer lucros e sim um benefício social no Brasil. Se não fosse assim, o custo da tarifa poderia ser proporcional ao trajeto percorrido pelo passageiro. Tudo bem, mas aqui estamos falando de concessão, o ente privado busca o lucro e vai encontrar prejuízo na Linha 17 já que, segundo dados do Metrô, o custo de operação por passageiro transportado nela será de R$ 6,71, ou seja, bem acima da tarifa de R$ 3,80.
Em tese, para oferecer a Linha 17 a um concessionário seria preciso pagar uma remuneração independentemente do valor da tarifa – como se sabe, ela está com reajustes abaixo da inflação nos últimos anos. Uma empresa só assumiria uma concessão assim com a expectativa de lucro, por isso esse valor citado pelo governo deveria ser menor nas mãos privadas. Ocorre que a gestão Alckmin optou por oferecê-la em conjunto com a Linha 5-Lilás, que é maior e deve responder pela maior parte da demanda.
Num mesmo pacote, as duas linhas não gerarão receita para o concessionário em caso de baldeação entre elas. Exemplo: um passageiro que embarque em Capão Redondo e vá até a estação Congonhas será considerado como apenas uma viagem. Isso pressupõe uma economia ao estado já que na primeira fase a Linha 17 será deficitária, mas é aí que o jornal comete outro erro.
Demanda equilibrada
No texto fala-se em cancelamento das fases 2 e 3 da obra, que vão levá-la até Jabaquara e a estação São Paulo-Morumbi, passando por regiões pobres da cidade como Paraisópolis. Mas em nenhum momento o governo cancelou esses trechos e sim suspendeu. A Linha 17 não faz sentido algum com apenas 7,7 km de extensão. Parte dos pilares desses novos trechos já foi construída e ficaria inútil caso a obra não avance.
Com os 17,7 km previstos, a Linha Ouro não só é viável como tem um perfil melhor do que a Linha 3-Vermelha, a mais lotada do sistema. A razão é sua demanda equilibrada. Por ser uma linha perimetral, que ligará outras linhas movimentadas (1-Azul, 5-Lilás, 9-Esmeralda e 4-Amarela), o ramal será capaz de transportar quase 500 mil pessoas por dia, mas com trens de monotrilho de apenas 5 vagões e 400 lugares – um quinto de um trem da CPTM.
A explicação para isso é que a viagem média dos passageiros é mais curta, com mais gente entrando e saindo pelo caminho, ao contrário da Linha 3, que é pendular (as pessoas embarcam nas pontas e viajam quase todo o trajeto). Linhas como a 17-Ouro são mais “lucrativas” porque têm um aproveitamento melhor da infraestrutura. Portanto, não se trata de uma linha que “dará prejuízo” quando estiver concluída. Pelo contrário, São Paulo precisa de mais conexões perimetrais para aliviar as linhas radiais como a própria a Vermelha e a Lilás.
Garantia pelo atraso
Se erra em detalhes simples como dizer que a Linha 5 “vai somente até a estação Borba Gato” (quando opera até Brooklin em horário restrito por enquanto), a matéria da Folha ao menos levanta um questionamento importante, o fato de governo do estado estipular uma multa a si mesmo caso não entregue todas as estações prometidas e hoje em obras no prazo que consta no edital. Em relação à Linha 5 não há problema, afinal as obras estão na reta final e devem ser concluídas até 2018. Já o monotrilho ainda passará por etapas cruciais como os testes com o trem e a construção do pátio e da estação Morumbi, que ainda não começou.
Caso atrase, o governo promete pagar cerca de R$ 1 por viagem frustrada, ou seja, a cada dia, se eram esperados 100 mil usuários na Linha 17 por exemplo e ela não está entregue o estado assume uma dívida de R$ 100 mil aproximadamente. É algo considerado como uma espécie de garantia ou previsibilidade para os interessados, mas por outro lado significa que o concessionário também não arcará com investimentos previstos no contrato tão cedo – cerca de R$ 3 bilhões em 20 anos de concessão. Parece exagerado oferecer tal garantia ou então que ela fosse menos lesiva aos cofres afinal a própria gestão Alckmin parece não confiar nos prazos que dá em suas obras, basta lembrar que a Linha 4 está extremamente atrasada.
Prejuízo incalculável
O jogo de interesses e a falta de diálogo no assunto, no entanto, já se traduzem num prejuízo imenso com o atraso no início da operação da Linha 5. Como o leilão marcado para 28 de setembro foi adiado, a concessionária que assumir as duas linhas deverá fazê-lo mais tarde que planejado pelo governo. O problema é que as estações estão quase prontas e certamente o Metrô não tem um quadro de funcionários capaz de operá-las, ainda mais que na mesma época (início de 2018) outras oito estações da Linha 15-Prata deverão ser entregues na Zona Leste.
Se a abertura desses novos trechos atrasar mais, quem vai pagar a conta, para variar, será a população, essa sim a mais prejudicada em qualquer situação.
Perfeito perfeito! parabéns Ricardo por tamanho profissionalismo, imparcialidade e honestidade nas informações apresentadas que deveria ser copiado por esses pseudo-jornalistas falsos e ideologicos.
Ricardo, seria bom você falar mais à respeito dos contratos de concessão do metrô. Sou a favor de concessão/privatização porém da maneira que está sendo feita, porém está questão de valores muito desproporcionais de que o estado pagou e de que a empresa irá gastar não me deixa satisfeito. Como uma uma obra de bilhões pode custar apenas 300 milhões (para concessão de 30 anos)? Aprofunde mais nas suas opiniões e informações, obrigado.
Tem razão, Paulo, eu também sou a favor de uma operação eficiente, independentemente se é privada ou pública, mas os dois lados dessa história não querem esclarecer isso. O governo (PSDB) enxerga que manter a Linha 5 no Metrô vai ser mais caro do que repassar a um terceiro, já o sindicato (e os partidos de esquerda) diz que vão dar a linha de mão beijada. Fato é que, apesar de ter custado tanto, a linha não está sendo vendida e sim concedida – e o concessionário tem de investir cerca de R$ 3 bilhões nesse prazo e devolvê-la “inteira”. O problema para mim é saber se o custo de operação “estatal” é assim tão mais alto que o privado ou o contrário. Quem sabe eu consiga me aprofundar nisso em breve. Abraços.
Queria entender por que não deixar a operação com o Metrô. A empresa lançou editais de concursos públicos para cadastro reserva a pouco tempo, certo? Chama esse pessoal e poe pra trabalhar! Se vai pagar mais caro para um terceiro, deixa na mão do metrô mesmo. Tá muito mal explicada essa história! Tá parecendo que querem resolver rápido e vão acabar trazendo mais prejuízo do que benefício para o Estado.
Parabéns Ricardo pela sua imparcialidade na prestação das informações, algo hoje tão raro no jornalismo! Com as eleições chegando, a polarização e a disputa partidária-ideológica já contaminou todos os meios de comunicação, e o que não falta por aí é gente atrapalhando o debate e literalmente torcendo contra esses projetos tão essenciais, só porque estão sendo concluídos em véspera de eleição.
O que obviamente não isenta os erros dessa gestão. Me parece um erro crasso o governo querer conceder a Linha 17 incompleta, num pacote com a Linha 5 apenas por ter pouca receita nesse momento, quando ela ja tem projeto pronto pra ser triplicada em tamanho e demanda. Não seria mais racional conceder um pacote que envolvesse a conclusão da linha 17 pela concessionária?? De quebra ainda resolvia dois problemas numa tacada só. Mas me parece que depois do desastre da linha 6, o estado está receoso em conceder obras e operação no mesmo pacote, e com o final do governo chegando, o Alckmin está preferindo solucionar um problema de curto prazo que o beneficiará nas urnas, que é o início das operações da linha 5, ignorando um projeto de longo prazo que é a conclusão da linha 17. Como sempre, o jogo político eleitoral só atrapalha os investimentos públicos desse país.