Dificuldades crônicas do Brasil fazem do Trem Intercidades e TAV projetos mais modestos

Implantação de ferrovias modernas no país esbarra em burocracia, judicialização e falta de visão clara do futuro, impedindo que a melhor solução para a sociedade seja adotada
Trem Intercidades e Trem de Alta Velocidade entre Rio e SP podem ser menos atrativos (Divulgação/Sergey Korovkin 84)

Após décadas de descaso em que uma ampla malha de transporte regional  sobre trilhos foi perdida, o Brasil acordou para a necessidade de possuir ferrovias modernas, com trens capazes de circular em velocidade elevada e assim oferecer um serviço eficiente e sobretudo mais limpo.

Projetos de trens regionais e de alta velocidade surgiram nos últimos anos, porém, até hoje teimam em não virar realidade. Apesar das lições aprendidas, o país está descobrindo de forma amarga que a falta de planejamento no passado está cobrando um alto preço atualmente.

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Por conta do abandono de centenas de quilômetros de vias, boa parte do trajeto não é compatível com o desempenho de trens de média e alta velocidade, exigindo vultosos investimentos para corrigir essas deficiências, quando não é necessária a criação de novos trechos.

Dois projetos atualmente em destaque são afetados diretamente por esse panorama nocivo ao transporte ferroviário regional, o Trem Intercidades do governo paulista, e o Trem de Alta Velocidade, surgido nos primeiros governos petistas.

Ambos foram gestados por muitos anos, consumindo tempo e dinheiro sem que as previsões otimistas tenham sido cumpridas.

O projeto viário do TIC Eixo Norte exige adaptar trilhos entre Campinas e São Paulo (GESP)

Parte dos problemas incluiu erros de avaliação e estimativas muito otimistas, mas também a incapacidade de superar desafios como a burocracia, a judicialização, os altos custos e a falta de previsão dos rumos da economia brasileira.

Por conta disso, tanto o TIC Eixo Norte, entre São Paulo e Campinas, quanto o projeto do Trem de Alta Velocidade recentemente aprovado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) estão sendo concebidos aquém do potencial que eles representam.

Segregação de vias

O Trem Intercidades está sendo cogitado pelo governo do estado de São Paulo há mais de uma década como uma solução para aliviar o trânsito nas rodovias que chegam à capital. O primeiro trecho, que atenderá Campinas e Jundiaí, deveria ter sido licitado na gestão de Geraldo Alckmin (PSB), passou para o governo de João Doria (sem partido) e acabou herdado pelo atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Agora, a expectativa é que finalmente o edital seja publicado até junho, com o leilão ocorrendo em novembro se não houver mais mudanças. O que será concedido, no entanto, é um serviço capaz de ligar a estação Barra Funda ao centro de Campinas em pouco mais de uma hora, praticamente o mesmo tempo que um automóvel leva para cobrir um percurso semelhante.

Trata-se de um percurso de 101 km, cuja viagem será cumprida a uma velocidade média de 95 km/h, feito por vias segregadas no atual trajeto usado pelas concessionárias de carga e a CPTM e que foi construído no final do século 19.

As características do serviço expresso entre SP e Campinas (GESP)

Poderia ser mais veloz? Sim, caso o percurso fosse construído para esse tipo de operação, com raios de curva mais abertos, por exemplo. O problema é que para abrir uma nova ferrovia, o custo do Trem Intercidades seria extremamente elevado. Além disso, esbarraria-se no dilema de desapropriar mais áreas e de buscar o licenciamento ambiental para abrir túneis e vias elevadas, assuntos que no Brasil se tornam grandes novelas com final desconhecido.

Por conta disso, talvez o TIC Eixo Norte tenha que se contentar em esvaziar ônibus apenas, não sendo suficientemente atraente para motivar proprietários de automóveis a abandonar o transporte individual. E aí temos outro dilema, o preço da passagem.

Na modelagem do Trem Intercidades, o serviço expresso deverá ter um teto máximo a ser cobrado, cabendo ao concessionário definir as tarifas abaixo dele. Resta saber se a conta irá bater.

Estações longe do centro

O Trem de Alta Velocidade entre o Rio de Janeiro e São Paulo recentemente autorizado pela ANTT se encontra em um estágio bastante preliminar, apenas com um estudo do traçado e de alguns conceitos técnicos, pelo que se pode entender do pouco material disponibilizado.

A empresa que obteve a aprovação do governo federal para seguir com o projeto buscará agora parceiros de grande envergadura para estruturá-lo, como operadoras de trens de alta velocidade, construtoras e, sobretudo, entidades financeiras capazes de bancar um empreendimento tão caro.

A estação Rio de Janeiro do Trem de Alta Velocidade ficará na região oposta ao centro da cidade

Mas o novo TAV esbarra numa concepção inicial que causou espanto no setor: estações em Pirituba e Santa Cruz, regiões distantes dos centros das duas capitais. A opção, feita para evitar custos e burocracia, tornará o trem de alta velocidade dependente de outros sistemas como a Linha 6-Laranja, a ser inaugurada em 2025 e operada pela Linha Uni em São Paulo, e os trens metropolitanos operados pela SuperVia no Rio.

Ainda que uma parceria seja fechada com as respectivas concessionárias, parece contraditório levar pouco mais de uma hora para viajar entre as duas metrópoles e então ser necessário perder um grande tempo tentando chegar às regiões centrais.

Novamente, o temor do alto custo de implantar vias dentro da malha urbana e as questões polêmicas sobre desapropriações e licenças ambientais acabam piorando um projeto que poderia ser bastante vantajoso para a sociedade.

O país já errou demais com as ferrovias ao esquecê-las por décadas. Agora não pode cair na tentação de cometer outro engano ao não dimensionar os benefícios necessários para que as novas ferrovias possam ser eficientes no futuro.

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16 comments
  1. Entendo seu ponto sobre o TAV ter seus pontos fora dos centros urbanos, mesmo assim, se torna atrativo desde que ocorra a interligação com o metrô aqui em SP, certamente o percurso total seria reduzido pela metade em relação ao deslocamento por rodovias. Ao meu ver a grande questão será mesmo viabilizar um valor de passagem acessível. No meu ponto de vista, seria mais viável uma malha metroviários entre as capitais, com paradas estratégicas, fazendo o percurso total em cerca de 3:30h, pois atenderia um público muito maior. Confesso que acho o projeto do TAV megalomaníaco. Acredito que o valor de um projeto deste porte, poderia ser convertido em outros vários projetos menores e mais baratos para que a malha ferroviária paulista fosse renovada, viabilizando assim uma melhor conexão com nossas cidades mais próximas, sem depender apenas dos projetos demorados de metrô.

    1. Discordo. Do ponto de vista de SP, até pode ser atrativo, mas a estação de trens urbanos de Santa Cruz no RJ não tem condições de fazer integração com TAV, pois fora o tempo de trajeto, as condições são precárias desta estação até o centro do RJ

    2. Foi exatamente isso que na época deputados e senadores, encabeçados pelo JOSÉ SERRA, disseram com o projeto do TAV no governo Dilma. Era melhor que o dinheiro que iria para os estudos e posteriormente para a cosntrução do sistema fossem para trens e metrôs nas grandes metropoles. Conseguiram cancelar o projeto do TAV e NENHUMA LINHA DE METRO FOI CONSTRUIDA A MAIS COM ESSE RECURSO

      Ficamos sem TAV e sem metrô, é assim que funciona porque politocos e gestores não estão preocupados com mobilidade urbana como deveriam. Tem gente que depende disso pra continuar ganhando dinheiro. Muita gente.

  2. Então tem uma outra questão também que é a modelagem de viabilidade.
    O Brasil não tem mais empresas públicas de transporte ferroviário de longa distância desde o fim dos anos 90.
    Isso acarretou na falta de um mecanismo competente para fazer esse tipo de projeto.
    O TIC e principal o TAV sofre de mais com isso. Pois o pensamento é muito calcado em linhas e projetos individuais e não na construção de uma rede que teria uma série de elementos construtivos pré estabelecidos e uma tecnologia replicada em mais escala por maior tempo.
    Ou seja a própria ideia de como se faz obra de transporte no Brasil é complicado.

    Aqui também se tem a ideia de que a ferrovia tem de arcar com custos totais por meio de tarifa os entradas diretas (como aluguel de espaços em estações). Quando o principal mecanismo de necessidades tá nos impactos indiretos, como a diminuição de uso de combustíveis. De gastos com acidentes. De tempo de transporte. De aumento de capacidade e etc…

    Isso talvez explique bem os problemas que vc cita.
    Eles são mais vindos de uma lógica ruim de pensar infraestrutura que são problemas inerentes aos projetos.

  3. O TAV do governo petista foi uma maquete de R$ 1 bilhão que ainda criou uma estatal, ou seja, mais um assalto aos cofres publicos entre tantos outros. O marco ferroviário visando o transporte de cargas e eliminando a burocracia foi um grande avanço no país pois há dezenas de projetos contratados. O contraponto é, mesmo com a diminuição da burocracia, por que não há empresas privadas querendo construir trens de passageiros?

    1. Trens de passageiros são deficitários e não geram lucros e são considerados antieconômico em vários países do mundo. Só há dois trechos de passageiros em todo mundo que não é considerado deficitário: o TGV Paris – Marseille e o Trem Bala japonês Toquio – Osaka. Esse tipo de operação precisar ser custeada e subsidiada pelo Estado por ser considerado um bem social, um exemplo disso é a estatal americana Amtrak responsável do trens de passageiros nos EUA enquanto o de cargas é realizado por empresas privadas, essa estatal acumula deficit de mais de um bilhão de dólares para se manter funcionando.

  4. O Intercidades tem a possibilidade de atrair passageiros automotivos sim, mesmo com uma velocidade operacional baixa. Basta pensar que o fato de que São Paulo tem o rodízio, hoje há a questão do Home Office, além dos preços estratosféricos dos automóveis atualmente, as pessoas vão preferir ir com um trem ou ônibus do que enfrentar trânsito e risco de custos maiores como acidentes, combustíveis e multas. Quem renega isso no fundo talvez só queira desculpas para continuar dirigindo seu automóvel.

    O problema maior é que aparentemente mesmo usando a malha da CPTM, não há tanto espaço para ampliações. Mesmo se tentar colocar mais uma via (atualmente a via da CPTM é dupla, com alguns trechos com três), há a questão de áreas que passam ao lado de áreas ocupadas irregularmente (no que terá problemas de desapropriação), e também há o Tunel Botujuru, que provavelmente teria que ser retificado, ampliado ou feito um terceiro túnel.

    Há também a revisão da malha entre Jundiaí e Campinas, dado que hoje apenas opera trens cargueiros e muito da via foi inutilizada.

    Aproveitando, lembrando do projeto do trem intercidades até Sorocaba que sofre de um mal pior: boa parte da via férrea a partir de Amador Bueno sofre com invasão de via férrea (tolerado pela prefeitura e lideranças políticas locais), interferências (a retificação da Rod. Raposo Tavares provavelmente interferiu em alguns trechos) e traçado antigo com muitas curvas e inclinações.

    Quanto ao TAV, não creio que ele será posto em funcionamento no Brasil. Se houvesse interesse real, desde dos primeiros anúncios, já teriam o posto. Ou ao menos mantido um sistema de ligação ferrea entre São Paulo e Rio apenas para justamente não perder a malha férrea para invasões ou desvios.

  5. Além do TGV Francês e do TAV japonês, também existem mais dois serviços de trens de passageiros de longa distância rentáveis:

    O Eurostar que faz a rota Paris-Londres e o serviço ferroviário intermunicipal entre Miami e West Palm Beach na Flórida operado pela empresa privada Brightline.

    Já no resto do mundo, os trens de passageiros de longa distância não são lucrativos.

  6. Isso é claramente falta de política pública no Brasil. Aqui tudo é movido pelo interesse.

    A burocracia e as dificuldades poderiam ser sanadas justamente por aqueles que defendem esse modelo entreguista.

    Na Alemanha, o governo é responsável pela malha ferroviária. Se algum operador privado quiser pode operar desde que pague o direito de passagem. Aqui no Brasil fizeram as concessões e deixaram toda a malha ferroviária na mão do capital privado, o resultado é o abandono e desuso de boa parte dessa malha.

    O tic é só pretexto pra privatizar a CPTM. Não tem nexo esse projeto. E esse tav não sai do papel

    1. Torço que os Intercidades tenham uma atenção em governos progressistas futuros (isso se o paulista votar corretamente, diga-se). O projeto é de longa data, e há interesse até privado, mas que obviamente mesmo privado vai bater na porta do Estado para pegar financiamento.

      Ao meu ver, a ausência de políticas públicas tem N motivos, desde a falta de cultura voltada ao transporte público até a ausência de mais ações inclusive de ativistas a favor do transporte.

  7. Espero que o trem intercidades, entre São Paulo e Campinas, não acabe com o serviço de trens da CPTM entre Jundiaí e Rio Grande da Serra. Se ocorrer isto vai prejudicar muitas pessoas, fazendo com que percam mais tempo no transporte público. Mesmo que concedam este serviço pode ter direito de passagem para os trens da CPTM.

  8. Retomar o transporte ferroviário de passageiros no Brasil é um desafio e tanto. Mas não basta só olhar adiante imaginando soluções que quase nunca saem do papel: é preciso olhar para o passado também. Como que, até hoje, ninguém foi responsabilizado por décadas de abandono?

    Não basta pensar em reconstruir. Há que se punir quem destruiu. Bilhões de dólares em patrimônio público sucateado e não tem ninguém na cadeia por isso?

    Cada estação, cada locomotiva, cada carro, cada subestação de energia, cada via que tenham sofrido abandono e depredação são uma cena de crime. Muitos dos culpados não estão mais vivos para responderem por seus atos, graças à conivência das autoridades.

    1. A melhor forma de punir quem errou é, principalmente, escolher corretamente políticos que combatam justamente este tipo de coisa, algo que é difícil de fazer.

      Teria que ter uma mudança de paradigma política para poder cobrar os erros passados – preferencialmente evitando a contratação de pessoas ligadas direta ou indiretamente com o sucateamento dos serviços férreos ou que até permitiram a ocupação irregular das vias e arredores.

  9. Gostaria de lembrar do brasileirissimo sistema MagLev-Cobra, criado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse sistema prevê um custo de instalação 2/3 MENOR do que o sistema tradicional roda-trilho, pois como planejado, usa raio de curva pequeno, sobe rampas de até 15% ( roda-trilho, – curva de raio mínimo de 100 m; rampa de 3%), diminuindo em muito os custos com desapropriações, obras de arte e túneis.
    Além de ser de tecnologia 100% brasileira.
    E ninguém, nem internautas,sai em defesa dessa proposta!
    Por que será?

  10. Completando meu comentário anterior sobre a tecnologia maglev brasileira, para obter informações precisas sobre esse tema, é só acessar: maglevcobra. cope.ufrj

  11. 50 bi para este trem? Nem precisa de muita matemátics para dizer q é inviável economicamente. Tem empresa privada querendo fazer…não analisaram direito ainda.

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