Governo estuda reajustes bianuais de tarifa para remunerar operadoras privadas de trens

Estudos preliminares apontam necessidade de reajustes tarifários e uso da Câmara de Compensação da ABASP para custear futura operadora das linhas 11, 12 e 13
Operação da Linha 12-Safira (Jean Carlos)
Operação da Linha 12-Safira (Jean Carlos)

Com o aumento do número de empresas concessionárias no sistema metroferroviário paulista, a exigência para o governo cumprir seus compromissos financeiros tem aumentado.

Dentro deste contexto, o governo realizou um estudo preliminar da Clearing (Câmara de Compensação) para avaliar se é possível realizar o custeio das obrigações assumidas com todas as concessionárias, sobretudo com a concessão das linhas 11, 12 e 13.

A análise envolveu uma simulação de demanda futura, número de passageiros pagantes, benefícios existentes na rede, variação fiscal dos contratos de concessão além de avaliação de aumentos tarifários na rede.

Simulação de demanda

A simulação de demanda tem como foco avaliar o crescimento do número de passageiros da rede metroferroviária no longo prazo. As avaliações foram realizadas peles empresas Addax, Mcrit, Oficina e Iber-Geo.

As análises apontam um crescimento substancial da rede nas próximas décadas. Em 2023 a rede transportou 6,3 milhões de passageiros. Esse número deverá aumentar para 11,3 milhões em 2050.

Desse total, 7,4 milhões estão concentrados na rede metroviária e 3,8 milhões na rede de trens metropolitanos. Das linhas existentes, apenas três delas obterão demanda superior a 1 milhão de passageiros diários.

Demanda futura (SPI)
Demanda futura (SPI)

Passageiros pagantes

Apesar de os números de passageiros transportados serem relevantes, isso não simboliza que todos estes realizarão o pagamento da tarifa. Deve-se considerar na fórmula os passageiros contemplados por benefícios de gratuidade, meia tarifa, descontos de integração e transferências.

Os dados apontam que 34,7% dos passageiros embarcados na rede sobre trilhos (2,2 milhões) realizaram transferências. Esses passageiros não efetuam pagamento adicional de tarifa.

Dos 4,1 milhões de passageiros pagantes, apenas a minoria (43%) realiza o pagamento integral de tarifa, sendo considerados passageiros exclusivos. Os outros 57% dos passageiros (2,3 milhões) realizam transferências com a SPTrans e EMTU.

Passageiros pagantes (SPI)
Passageiros pagantes (SPI)

Pagamentos realizados

Dos pagamentos realizados no ano de 2024 o valor para acesso ao sistema de trilhos é de R$ 5,00 e aos ônibus da SPTrans, de R$ 4,40.

A integração entre trilhos e SPTrans tem valor total de R$ 8,20. A divisão desse valor é de R$ 4,57 para o sistema de trilhos e R$ 3,63 para o sistema de ônibus, conforme convênio entre as empresas.

A transferência com a EMTU tem valor total de R$ 5,00 mais o valor da tarifa de ônibus com desconto de R$ 1,50. O sistema de trilhos recebe o total de R$ 3,50 pelas transferências realizadas. O sistema de ônibus recebe a integralidade.

Logica tarifária (SPI)
Logica tarifária (SPI)

Avaliação das concessões e ajustes fiscais

Atualmente existem cinco concessões firmadas. Os contratos vinculados têm limites estabelecidos por empresas, sendo elas a ViaQuatro (2044), ViaMobilidade Linhas 5 e 17 (2038), Linha Universidade (2044), TIC Trens (2054) e ViaMobilidade Linhas 8 e 9 (2052).

A maioria dos contratos utiliza como cláusula de reajuste os índices IPC/Fipe (SP) e IPCA (BR). Alguns destes contratos inserem ainda indicadores relativos à construção civil e energia elétrica. O reajuste de remuneração é anual e visa compensar o efeito inflacionário da economia.

Concessionárias existentes (SPI)
Concessionárias existentes (SPI)

Histórico de aumento de tarifa

O histórico do aumento da tarifa foi analisado, pois este influi diretamente na arrecadação global do sistema trilhos. As análises foram feitas para se avaliar o reajuste ao longo do tempo com uso de diferentes réguas temporais.

As análises do governo mostram que o reajuste tarifário está acima da inflação utilizando-se como métrica os valores do ano 1994. Deste aquele período a tarifa teve aumento de 8 vezes.

Conforme a regra tarifária se aproxima do período recente, observa-se que os aumentos tarifários estão abaixo da inflação. O governo adotou em seus cálculos uma premissa conservadora de aumento tarifário equivalente a 86% da inflação.

Aumentos de tarifa (SPI)
Aumentos de tarifa (SPI)

Modelo de receitas e situação de clearing

Foi realizada uma comparação do clearing (câmara de compensação) da simulação com a realidade. Os valores simulados apontaram uma receita total de R$ 3,98 bilhões em receita.

A comparação com a realidade aponta uma pequena divergência de 6,6%. O valor total auferido pelo sistema trilhos (ABASP+BU) foi de R$ 3,72 bilhões. A margem de erro é tolerável tendo em vista que 5% das entradas foram oriundas de Edmonson, não contabilizado pelas empresas de transporte por meio de clearing.

Realizando a análise de cobertura de longo prazo, adotando-se as simulações e os índices de inflação das concessionárias, observa-se que as receitas de trilhos oriundos do BU são suficientes para cobrir as concessões.

Simulação de remuneração (SPI)
Simulação de remuneração (SPI)

Situação futura

A análise da situação futura tem como objetivo verificar se é possível a inserção das obrigações da concessão das linhas 11, 12 e 13 dentro da lógica de pagamento via clearing. Os dados apontados mostram as seguintes situações.

Esgotamento total da clearing BU – Com as obrigações assumidas pela câmara de compensação do Bilhete Único junto às cinco concessionárias observa-se um cenário de limite. Não se considera, dentro do cenário analisado, pagamento das operadoras estatais (Metrô e CPTM).

Saldos insuficientes dentro da clearing BU – A clearing do BU paga as concessões existentes, mas não há sobra para as concessões futuras. O saldo ao longo dos anos vão variar, sendo eles:

  • 2023: R$ 427 milhões
  • 2030: R$ 794 milhões
  • 2035: R$ 458 milhões
  • 2040: R$ 799 milhões
  • 2045: R$ 560 milhões
  • 2050: R$ 1,4 bilhão

Utilização da Clearing ABASP para custeio do Lote Alto Tietê (11, 12 e 13) – Para honrar os compromissos com a futura concessionária será necessário a utilização da clearing da ABASP (Cartão TOP e QRCode) para o custeio da empresa. Apenas neste cenário os valores poderão ser suportados.

Reajuste de tarifa bianual – A análise em questão prevê o reajuste tarifário bianual, ou seja, a cada dois anos a tarifa vigente deverá passar por aumento para permitir o pagamento das empresas concessionária. A premissa conservadora prevê aumentos de 86% da inflação registrada.

Saldo final positivo – Diante do cenário existente, o governo prevê que após a utilização das clearings do BU e ABASP, ainda reste saldo. Ele varia no período de maior escassez (2032-2045) de R$ 800 milhões para R$ 1,8 bilhão no período de maior receita (2046-futuro).

Clearing com concessões (SPI)
Clearing com concessões (SPI)

Conclusão

Dentro do cenário de futuras concessões, o governo estima que com a utilização total das receitas obtidas do sistema sobre trilhos haja espaço fiscal para honrar com as obrigações existentes das operadoras privadas.

O que o relatório não considera são dois fatores cruciais: a existência de operadoras públicas (mesmo que por curto tempo) e as futuras sucessoras destas operadoras.

Com uma clearing esvaziada, empresas como Metrô e CPTM simplesmente assumiram, de forma forçada, o status de empresas dependentes do tesouro. Simplesmente não existe no futuro situação de sustentação fiscal para estas empresas.

Dentro deste contexto virtual, de especulação e análise futura, presume-se que as empresas sucessoras (leia-se futuras concessionárias do sistema Metrô), não deverão ter remuneração contemplada dentro das clearings. Elas estarão totalmente esvaziadas.

Desta forma, o status de empresas dependentes do estado deverão ser assumidas pelas futuras concessionárias, que receberão remuneração direta do estado. Mesmo que se fale em novas linhas ou aumento de demanda, isso não muda o fato de que o custo de CAPEX (obras) e OPEX (operação) deverão ser crescentes.

Arrecadação total do sistema trilhos (SPI)
Arrecadação total do sistema trilhos (SPI)

A lógica de aumentos de tarifa bianuais até pode atenuar o cenário no médio prazo, sob pena de penalizar o passageiro frequente com grilhões de sucessivos aumentos da tarifa, o que certamente poderá encarecer a inflação de alguma forma.

A conclusão clara é: não haverá dinheiro. Por mais que o governo queira realizar malabarismos fiscais, mudanças estruturais na lógica de operação de transporte para minimizar ao máximo o OPEX pesado das empresas estatais, isso não garantirá lógica de lucro das concessionárias.

A obtenção de lucro tem como pressuposto o aumento sucessivo das tarifas, ou então o subsídio do sistema. Em termos económico-financeiros, o transporte público é deficitário não pela sua ineficiência mas pela sua lógica intrínseca de funcionamento.

A expansão e operação da rede tem um custo (pesado). Investir grandes cifras é o preço a ser pago pelo desenvolvimento da metrópole, quer sejam com operadoras públicas ou privadas.

Total
0
Shares
Antes de comentar, leia os termos de uso dos comentários, por favor
4 comments
  1. A Câmara de Compensação já é insuficiente para cobrir os custos atuais, tanto que a CMSP e CPTM precisam de subvenções estatais para fechar suas contas. A única diferença do cenário “full-privado” é que o GESP será obrigado a pagar as subvenções em dia, ao invés de poder congelar o pagamento para cumprir os limites de gastos.

    No tocante ao reajuste tarifário, o modelo de tarifa única para “todes” está próximo de entrar em colapso, dada a dificuldade de acompanhar a inflação dos custos sem onerar demais a classe mais baixa. Um artifício interessante seria criar uma tarifa social para os beneficiários do Bolsa Família, vinculado ao CPF e com limite de utilização baixo, enquanto o público com melhores condições financeiras pagaria o valor real da tarifa.

    EXEMPLO: se o valor real são os R$6,00 que a ViaQuatro recebe, a tarifa social poderia ser de R$2,00 a R$3,00, porém limitada a 2 embarques diários e com um espaçamento de tempo entre cada embarque.

  2. isso mostra aquilo que sempre foi falado, que é óbvio, que é lógico, que qualquer pessoa que minimamente raciocine sabe: o sistema de concessões é caro e insustentável.

    já cansei de escrever aqui neste site e em outros locais: esse sistema a longo prazo vai se tornar insustentável e uma bomba relógio.

    este sistema foi feito para dar lucro as concessionárias privadas. isso e somente isso. a malha metro-ferroviária não aumentou, a qualidade do serviço piorou, a remuneração do trabalhador metro-ferroviário despencou, o gasto do estado aumentou, e só o que melhorou foi a receita das concessionarias e os dividendos e fortunas de seus principais acionistas.

    tudo não passa de um grande lobby. aqueles que mais se dizem contra o estado, são quem mais sugam o estado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Previous Post
Linha 16-Violeta

Governo vai incluir Linha 16-Violeta em programa de parcerias e investimentos

Next Post
O traçado da Linha 22-Marrom

Linhas 22-Marrom, 2-Verde e 15-Prata podem entrar em pacote de concessão

Related Posts