Embora seja uma concepção óbvia, a adoção de uma autoridade metropolitana capaz de gerir o transporte público nas grandes cidades brasileiras ainda não passa de uma ideia distante. Mas é fato que o assunto começa a despertar o consenso entre governos, entidades e especialistas.
Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na terça-feira (10), representantes de empresas do setor ferroviário defenderam a criação da autoridade metropolitana como forma de organizar, expandir e otimizar o transporte público nas metrópoles.
Um dos presentes, o presidente da ANPTrilhos, Joubert Fortes Flores Filho, acredita que o planejamento e organização das linhas de metrô e trem caberia à essa entidade: “A gente precisa expandir as nossas redes de alta capacidade, que são os trens e metrôs. E precisa organizar a mobilidade nas cidades”, disse.
Para o presidente da associação, que reúne o setor ferroviário nacional, a principal vantagem da autoridade seria evitar a concorrência entre os diversos modais de transportes, como os individuais por aplicativos, ônibus convencionais ou BRT, ônibus de transporte rápido, bicicletas, entre outros. A ideia, segundo ele, é que esses meios não circulem de forma paralela e passem a ser complementares.
O grande impeditivo na adoção da autoridade metropolitana está no fato de que prefeituras e mesmo o estado teriam de abrir mão do controle dessas gestões. O exemplo de São Paulo, que possui 39 municípios na região metropolitana, foi citado no debate. Cada um deles possui uma política de transporte própria e define tarifas de forma independente mesmo que as viagens dos passageiros envolva mais de um desses municípios.
Silvani Alves Pereira, presidente do Metrô de São Paulo, vê como saída a participação do Congresso Nacional na meta de tirar esse projeto do papel. “Esta Casa tem todas as condições de enfrentar esse problema com seriedade, trazer para dentro do projeto a criação da autoridade metropolitana e colocando, já de imediato, alguns incentivos para que os entes políticos participem desse processo de uma forma mais desprovida do interesse político e mais pensando no cidadão”, afirmou.
Já o deputado Bosco Costa (PL-SE) aponta que é preciso que as políticas de Estado substituam as políticas de governo, ou seja, passíveis de mudança a cada eleição. Com a autoridade metropolitana, seria possível um planejamento de longo prazo e de forma integrada, sem a interferência de partido A ou B.
Sergio Avelleda, ex-presidente do Metrô e da CPTM, por fim defendeu a integração tarifária a fim de incentivar o uso do transporte coletivo em lugar do individual.
Exemplo de fora
A autoridade metropolitana não é novidade mundo afora. Em Londres, por exemplo, esse trabalho cabe à Tranport For London, uma entidade que possui um amplo escopo de atuação que envolve o transporte coletivo por trens, metrô, barcos e ônibus, mas também os táxis, aplicativos de transporte, bicicletas, entre outros. A TFL, como é também chamada, vai além ao estipular inclusive os pedágios urbanos para reduzir os níveis de poluição e também tem autonomia para investir na expansão do sistema e explorar comercialmente o potencial de áreas sob sua gestão.
O resultado disso é muito produtivo. O usuário pode embarcar em ônibus, trens e barcos com um mesmo cartão e ser cobrado mediante o trajeto percorrido, outro aspecto importante e hoje ignorado no Brasil, que permite que os passageiros rodem distâncias imensas pelo mesmo valor. Embora seja uma questão social, as empresas de transporte têm obrigações e custos e não são elas que devem gerir benefícios sociais. Por mais que os recursos saiam do mesmo fundo, trata-se de um erro misturar escopos. O correto seria que outro órgão fosse responsável por controlar as concessões de tarifa e indenizar a autoridade metropolitana pelo serviço prestado.
Como se vê, há um longo caminho para um transporte público mais justo e efetivo, mas ele tem que ser iniciado o quanto antes.
Acho uma pena, que se tratando do Brasil, se um orgão regulador fosse criado com toda certeza os interesses politicos ficaram a frente do da população.
Autoridades metropolitanas de transportes, tais como a TfL, a RATP, a Île-de-France Mobilités, entre outras, são resultado de um longo processo de transformação da postura de governo e de planejamento. Londres “brigava” com os operadores muito antes de São Paulo saber o que era um metrô ou um trem metropolitano. A criação da TfL é, na verdade, apenas o fim de um processo de integração de operação, eliminação de concorrências predatórias e integração física entre linhas que se intensifica a partir dos anos 1950. A RATP e, atualmente, a Île-de-France Mobilités são igualmente resultados de um processo que durou quase todo o século XX, que visava enxergar o transporte como um todo. Aliás, foi com o metrô de Paris que nasce o que entendemos hoje por rede de transporte. Em outras palavras, são ações no tempo que consolidam as autoridades metropolitanas, especialmente as mais complexas. Não é o discurso, a nossa famosa “carta de boas intenções”, que fará a autoridade metropolitana existir e funcionar. Tampouco uma lei. As regiões metropolitanas em São Paulo foram instituídas há algum tempo e até agora renderam muito pouco à população. Os esforços de integração tarifária que iniciaram em 2005 se diluíram diante da necessidade “equilíbrio financeiro” das operadoras e quem paga a conta – sempre o passageiro. Acabamos de assistir ao fim do primeiro (e longo) capítulo de uma novela em São Paulo que se arrastava desde 2013. E tudo mudou para manter tudo exatamente como está, com o mesmos empresários de sempre. Hoje temos Metrô, CPTM, dezenas de empresas geridas pela EMTU, e 39 municípios para encarar. Deixar parte disso fora de um planejamento, expansão, manutenção e operação integrados é o mesmo que não fazer nada. Se estado e municípios não abrirem mão de seu poder sobre o transporte, dando autonomia a essa suposta autoridade, pouco será melhorado ou simplesmente criaremos mais um intermediário para atrapalhar.
Não sei se isso é bom ou se vão concentrar toda a corrupção num departamento só.