A onda de desinformação que aflige a sociedade nos últimos anos, quem diria, chegou até mesmo ao setor de transporte sobre trilhos. Nesta semana, a incomum paralisação de 40 trens da Supervia, no Rio de Janeiro, por conta de problemas no sistema de tração, fez surgir suspeitas a respeito da qualidade dessas composições, fabricadas na China. Foi a deixa para que críticas e acusações em redes sociais acabassem se generalizando em relação à indústria chinesa – em que pese o equipamento defeituoso ter sido fornecido por uma empresa alemã.
Dias depois do problema no Rio, surgiram rumores de que os trens da Série 2500, da CPTM, também estão com dezenas de defeitos. As composições, fabricadas pela CRRC-Sifang, fazem parte de uma encomenda de oito unidades que serão usadas na Linha 13-Jade, que chega às proximidades do Aeroporto de Guarulhos e por isso possuem bagageiros internos.
De acordo com informações obtidas pelo site Diário dos Trilhos, os trens chineses teriam diversos problemas e que a CPTM estaria revendo o cronograma de entrada em serviço em dezembro. Ao mesmo tempo, o perfil Paparazzi Ferroviário publicou imagens de um documento interno da CPTM chamado de “Termo de Liberação de Entrega” que traz 34 observações a serem corrigidas na composição de número cinco.
O site buscou entender o que está ocorrendo e também esclarecer a real situação a respeito desses trens fabricados na China, os primeiros adquiridos pela CPTM no exterior. Confira a seguir o que descobrimos:
Os trens da Supervia e da CPTM não têm nada em comum
A indústria ferroviária chinesa é uma sopa de letrinhas que causa confusão até mesmo em quem já está há bastante tempo no setor. Mas ela é basicamente formada por dois grandes grupos, o CSR e o CNR e que em 2015 passaram a fazer parte da CRRC, um gigante ferroviário com dezenas de outras empresas. No entanto, esse conglomerado continuou atuando de forma independente. Enquanto a CRRC-Sifang Qingdao tem sua própria linha de produtos como a Série 2500, a CRRC Changchun Railway Vehicles produz e comercializa outro portfólio, nesse último caso os trens usados pela Supervia. É como se um carro da Mitsubishi tivesse um defeito e se suspeitasse de problemas idênticos em um modelo da Renault apenas porque as duas marcas estão hoje sob o mesmo guarda-chuva.
Pendências são normais em projetos de trens
A lista de itens do relatório da CPTM a respeito do Série 2500 e que foi feita com as composições ainda na China é um processo normal com qualquer novo produto. Séries como a 8500, 9000 e 9500, recentemente recebidas pela companhia, também possuem documentos semelhantes e nem por isso deixaram de operar ou foram devolvidas aos fabricantes.
Gravidade dos defeitos
Um olhar mais apurado na lista não identifica nada que demonstre uma falha grave de projeto. A ausência de extintores, por exemplo, envolve o fato de o fornecimento do equipamento ser nacional e não fazer sentido enviá-los para a China para voltarem ao país por navio. Várias ocorrências descritas no relatório envolvem correções simples como inscrição errada da nomenclatura ou ajustes pequenos em fixações ou proteções.
Possível atraso no início de operação
Segundo apuramos, o início de operação do trem da Série 2500 continua previsto para dezembro, o que foi ratificado pela CPTM em nota. Atualmente, existem três composições em solo brasileiro, mas as outras cinco unidades já estão a caminho do país, três delas devendo chegar em dezembro e outras duas em janeiro e que partiram da China há cerca de dez dias.
Produto multinacional
O episódio do defeito nos trens da Supervia e as suspeitas em relação à Série 2500 demonstram uma certa aversão à indústria chinesa. Embora o histórico de muitos produtos fabricados no país asiático tenha deixado uma má impressão nos últimos anos é fato que há uma evolução nítida em vários setores. É importante ainda ressaltar que esse conceito de nacionalidade, seja “chinesa”, “brasileira” ou “europeia”, é muito relativo. Trens são veículos complexos e que utilizam sistemas e equipamentos de vários fornecedores e de diversos países. O mais importante é que exista uma especificação técnica adequada e que ela seja seguida à risca, o que pode ter sido algo que faltou aos trens fluminenses.
Analisando o contrato da Série 2500 até aqui e de forma isenta, o que se nota é um processo muito mais eficiente do que o que ocorreu com as duas séries anteriores, fabricadas pela CAF e a Rotem no Brasil. As duas empresas, que possuem instalações no país, atrasaram suas entregas de forma absurda – 12 meses no caso da primeira e 18 meses em relação à segunda. E, mesmo após enviarem as primeiras unidades para as instalações da CPTM, foram necessários meses até que todos os problemas fossem resolvidos.
Pegue-se o exemplo do Série 8500, da CAF. Como mostramos aqui, a primeira unidade foi entregue em julho de 2015, mas o trem só entrou em operação de fato exatamente um ano depois. Ou seja, na prática, a fabricante espanhola conseguiu resolver as pendências do equipamento justamente na data em que deveria ter concluído a entrega de todas as 35 composições à CPTM. É uma situação incômoda afinal a CAF já havia produzido centenas de vagões no Brasil com especificações semelhantes e nem por isso o trabalho fluiu de forma esperada com a nova série. A empresa, aliás, só concluiu seu trabalho em setembro quando finalmente entregou a última unidade.
Como comparação, a CRRC-Sifang entregou o primeiro trem em maio deste ano na China, e a composição chegou ao pátio Presidente Altino em setembro, após a viagem por navio. Segundo documento da CPTM, os oito trens deveriam ser entregues a partir do 18º mês em relação à ordem de serviço assinada em setembro de 2017. Na prática, a primeira composição deveria ter sido recebida pela companhia no final de março, mas ocorreu no início de maio, um atraso bastante menor.
“Pista de teste”
É na condição de entrega, no entanto, que o Série 2500 pode surpreender. Como dissemos, outras séries encomendadas pela CPTM passaram muito tempo sendo alvo de correções para terem condições de entrar em operação. A Série 9000, produzida pela Alstom, por exemplo, foi entregue no segundo semestre de 2012, mas só entrou em serviço em abril de 2014.
Já a composição chinesa levará apenas três meses para iniciar operação após ter sido enviada para o pátio da CPTM. Mas qual é o milagre? Testes dinâmicos na própria fábrica é uma das razões.
A CRRC possui uma infraestrutura sem paralelo na China que inclui mais de 4 km de vias de testes onde as composições são avaliadas logo após sua fabricação. No Brasil, ao contrário, os trens acabam rodando pela primeira vez apenas quando estão com seus clientes já que não há estrutura de testes nas unidades das fábricas que existem no país.
Ou seja, é bastante improvável que a Série 2500 atrase sua entrada em serviço, esperada para daqui a um mês aproximadamente. A CPTM, por sua vez, garante que tudo está dentro do esperado:
“Os trens da série 2500 fabricados na China pelo Consórcio Temoinsa -Sifang foram inspecionados e testados na fábrica em Qindgao/China, acompanhados por fiscalizadora especializada contratada. É considerado normal a constatação de pendências não impeditivas e que não impactam em segurança do trem no processo de fabricação durante os testes de performance.
A CPTM ressalta a importância da seriedade e responsabilidade na apuração de dados noticiados ao cidadão, essas pendências não têm relação com o caso do Rio de Janeiro, pois a fábrica e os componentes são diferentes. Após os testes, a retirada das pendências e o atendimento aos parâmetros específicos, o trem será liberado para operação comercial. A entrada em operação do primeiro trem 2500 está dentro do cronograma previsto”.
Quem viu a composição de perto afirmou ao site que se trata de um produto bem acabado e com tecnologia de ponta, incluindo alguns recursos ainda inéditos na CPTM. E aqui não se trata de afirmar que um trem importado é melhor que um montado no Brasil e sim esclarecer que isso independe da origem, basta que sejam observadas as normas de fabricação e os requisitos técnicos dos editais. É possível produzir bons trens tanto aqui quanto no exterior, mas as empresas precisam cumprir cronogramas e expectativas sob pena de prejudicarem a própria imagem. E isso sim é um motivo para gerar indignação.
Existem muitos palpiteiros de plantão, querendo só o mal para o nosso querido Estado.
A China deveria servir de exemplo para o nosso país. Deveria, não, DEVE!
Até poucos anos atrás, os chineses tinham o mesmo PIB que o brasileiro, e hoje eles estão para superar a dos americanos.
Os produtos chineses por anos foram taxados de “ruins”, “precários” e eles estão se esforçando muito para acabar com esse estigma.
Eu nunca vou entender esse espírito “vira-lata” de alguns brasileiro.
Veja o exemplo, ontem, do Gugu Liberato: o cara sofreu um grave acidente e já estavam decretando a morte do cara, em total desrespeito aos seus familiares.
Parabéns, Ricardo, por tentar contribuir com tanta desinformação existente principalmente no Facebook.
Matéria interessante e que mostra fatos importantes para compreensão do projeto. Pode-se concluir que as noticias em outros canais não passaram pelo devido cuidado nas suas apurações e elaborada de forma atabalhoada.
Me parece que esse projeto, com o fornecedor dos trens da CPTM vem realmente mostrar que a essa competitividade pode trazer benefícios a esse mercado, elevando o patamar de qualidade e pontualidade para dentro de padrões aceitáveis.
Parabéns pela materia consistente e profissional..
Olá, uma pergunta totalmente offtopic: você sabe o que aconteceu com o site ferroviando.com.br ? Desde junho que não comentam nada, e o Twitter deles também não posta nada há tempos.
Sou fã do trabalho de vocês. Grande abraço e continuem com o excelente trabalho
Ele foi trabalhar em outro país (senão me engano Canadá) e não está com tempo para atualizar o site.
Estranho esse tipo de suspeita, a fabrica milhares de vagões por ano, entrega milhares de novos trilhos e, sem um pais, atualmente, com essa tecnologia é a China, cansei de comprar produtos de baixa tecnologia e de baixa qualidade de origem chinesa, e também de alta tecnologia e ótima qualidade, não seria diferente com os trens, tanto não é que nosso governador acabou de receber delegação das fabricantes interessadas em investir na malha ferroviária paulista, tomara que façam.
Como foi colocado na materia o que interessa realmente vai ser o desempenho dos trens quando entrarem em operaçao e o numero de falhas que vao apresentar em 2020 e nos anos subsequentes ?? se os trens sao confiaveis ou nao eh uma pergunta a ser respondida na proxima decada que se iniciar em 2020 !
alem disto o numero de 8 trens eh pequeno se comparado ao enorme parque da CPTM e METRO e, estatisticamente, fica dificil a comparaçao !
Outra duvida eh quando efetivamente vamos ter todos os 8 trens em operaçao em 2020 ?
Prezado Ricardo;
Parabéns pelo texto. É importantíssimo nos tempos atuais que o ocorra um contra-ponto frente à disseminação de notícias sensacionalistas que buscam apenas atingir leitores com base em informações que não condizem com a realidade, especialmente no meio metroferroviário.