Vamos começar esse texto descrevendo duas linhas de trem reais. A primeira delas possui intervalos de cerca de quatro minutos, estações acessíveis e que passam por regiões de grande concentração de empregos. Embora em uma das suas extremidades exista uma demanda pendular, em ambos os sentidos há uma distribuição bastante elevada entre as estações mais centrais. Ela utiliza os trilhos com exclusividade e oferece apenas um serviço.
Agora, a segunda linha: ela é pendular, extremamente longa e com três destinos que compartilham suas vias. De quebra, muitas vezes os trens não chegam à região central, sendo preciso descer em uma estação maior e utilizar outra composição ou linha. Seus intervalos variam de quatro minutos até cerca de 10 minutos, dependendo do horário. Sua estações não têm cobertura em toda plataforma e a maior parte carece até de uma simples escada rolante.
Qual duas você acredita ser uma linha de metrô? Se apostou na primeira errou. No primeiro caso descrevemos a Linha 9-Esmeralda da CPTM, considerada uma linha de trens metropolitanos. No segundo caso, estamos falando da Metropolitan Line, linha de metrô de Londres e que, em seu trecho central, foi a pioneira desse modal ainda no Século 19.
Como se vê, definir uma linha como “metrô” é pisar em ovos. São tantas variáveis que nem mesmo especialistas conseguem cravar com certeza o que é de fato “metrô”. Essa confusão tem servido para que políticos façam uso de um termo marqueteiro, o tal “padrão metrô”. Não é de hoje, por exemplo, que o governo do estado vez ou outra afirma que as linhas da CPTM ganharão “padrão metrô”, como recentemente foi dito a respeito da Linha 10-Turquesa.
Amplia ainda mais a confusão o fato de a Companhia do Metropolitano de São Paulo adotar o termo “Metrô” com letra maiúscula como seu nome mais popular. Gozando de um raro prestígio nos serviços públicos, a empresa tornou-se uma espécie de meta para outros sistemas. É justo dizer que ela merece tal distinção afinal até sua existência, linhas de trem eram sinônimo de atrasos, perigos e desconforto, para dizer o mínimo.
No entanto, hoje isso deixou de ser exclusividade das linhas operadas pela companhia. Os ramais concedidos, em que pese alguns pontos negativos, também cumprem com esses padrões, exigidos pelo governo. Assim como algumas linhas da CPTM pouco se diferem do Metrô. Mas o fato de uma linha ser chamada de metrô não a torna automaticamente melhor. Não são poucos os metrôs do mundo que são bem inferiores a qualquer ramal da CPTM, como a descrição do início revela.
O mais importante ao se buscar um serviço de qualidade elevada não está nesses detalhes semânticos e sim em cumprir requisitos técnicos que os enquadre em padrões de oferta, velocidade, baixos intervalos e conforto.
Mas, afinal, como definir o que é metrô?
Como dissemos, não existe uma fórmula mágica. A UITP (associação mundial de transporte público) considera os sistemas de transporte urbano de passageiros “operados por conta própria e segregados do tráfego rodoviário e de pedestres em geral”. Em inglês, aliás, além do termo “metro” também é utilizado o “Rapid Transit”, mas além disso há margem para diversas interpretações, inclusive uma apropriação feita pelos defensores dos ônibus ao criar o “BRT” (Bus Rapid Transit).
Se é difícil dizer o que é metrô, torna-se mais fácil afirmar o que não é. Linhas que compartilham vias com trens cargueiros, por exemplo, não são mesmo que tenham intervalos baixos ou estações nuito próximas. Assim como possuir as chamadas passagens de nível, quando há o cruzamento de veículos pelos trilhos. Composições tracionadas por locomotivas também podem ser retiradas dessa lista.
Mas e o fato de uma linha ser na superfície ou elevada? Não, isso não a faz menos metrô do que um ramal subterrâneo. O importante nesse caso é que as vias não sejam compartilhadas ou que tenham interferências.
E estações distantes, outro argumento usado por algums? Também não invalida uma linha de metrô. Há sistemas com estações a 500 metros de distância como outras com dois ou três quilômetros de separação. Para citar um exemplo extremo, a Linha 4 do Metrô do Rio de Janeiro possui um longo trecho em que atravessa uma montanha e nem por isso perdeu seu “status”.
Trens que usam pneus não são metrô? Errado, são sim. O fato de se deslocarem por pneus não os transformam em “ônibus gigantescos” já que em outros aspectos eles obedecem a vários critérios de um “Rapid Transit”. É o caso de algumas linhas do metrô de Paris que trocaram os trilhos pelos pneus para reduzir o ruído em áreas urbanas. Mas então o Expresso Tiradentes, popular Fura-Fila, pode ser um metrô? Nem pensar. Embora seja segregado das vias, ter estações e não pontos de ônibus fechados como outros BRT, o Expresso utiliza ônibus conduzidos manualmente sem um sistema de controle integrado, além de ter uma oferta baixa pela sua extensão. Poderia ser transformado em um metrô leve, por exemplo? Sem dúvida, mas talvez o custo não compense.
E o tão falado e criticado monotrilho? É metrô ou não é? Os de média capacidade, sem dúvida. Eles possuem várias características comuns aos sistemas convencionais, incluindo intervalos baixos e regulares, sistema de controle automático, estações e vias segregadas das ruas e por isso velocidade compatível. O fato de rodar sobre uma viga de concreto não os incapacita a cumprir esses objetivos.
Curiosamente, a UITP, em seu relatório sobre metrôs no mundo, leva em consideração os monotrilhos em seu cálculo. Diz a nota do documento para explicar o que foi considerado nas estatísticas:
“Metrôs são sistemas ferroviários urbanos de alta capacidade, em vias exclusivas. Linhas de metrô incluídas nas estatísticas possuem trens um mínimo de dois vagões e com uma capacidade total de pelo menos 100 passageiros por trem. Ferrovias suburbanas não estão incluídas e estão disponíveis em um conjunto de dados separado. Sistemas que são baseados em veículos ferroviários leves, monotrilho ou por tecnologia de levitação estão incluídos se satisfizerem outros critérios. Sistemas suspensos não são incluídos.”
E eu com isso?
Mas, afinal, devemos nos ater a esses detalhes em nossas viagens diárias no transporte coletivo? Claro que não. Um bom ônibus alimentador que possua regularidade, acessibilidade e conforto será um modal perfeito para quem se desloca em um trecho curto ou que se dirige a alguma linha de alta capacidade. Assim como a impressionante Linha 3-Vermelha do Metrô, que transporta 1,5 milhão de pessoas por dia, pode ser péssima se você espera três ou quatro composições para conseguir seguir viagem – embora não seja culpa dela e sim da trágica expulsão das pessoas de baixa renda para regiões distantes por governos populistas.
Em outras palavras, o objetivo de governos não é perseguir “padrão de metrô” e sim oferecer um serviço adequado para aquela região e isso inclui atualmente intervalos satisfatórios, conforto a bordo e nas estações, segurança e rapidez, seja ele metrô ou não.
Duas linhas do metro de Rotterdam possuem transposições em nível (https://www.youtube.com/watch?v=YDsf5Xo0U88. Neste caso, eles as classificam erroneamente? Se a resposta é sim, há que se considerar que um significativo trecho dessas linhas se sobrepõe a outras linhas do metro que não possuem tal característica, isto é, são plenamente segregadas e sem conflitos nos cruzamentos. Há também o caso do Metro do Porto, formada por uma rede de light rails e com trechos cujo nível de segregação é bem baixo, além de transposições em nível. Neste caso, também erram ao chamá-lo de metrô?
Ótimo texto
Texto fantástico!
……………….estou agonizado com a definição de metrô de vocês. Metro é sim um model de grande capacidade, em vias exclusivas de trilhos com intervalos de trem aceitáveis e…. tendo sua maior parte sendo SUBTERRÂNEA … tanto é que as linhas de “metro” que são em sua grande parte elevadas os britânicos chamam de OVERGROUND… uma forma deles dizerem “olhem isto não é metrô” – ainda esclareço que a palavra TREM significa “a coisa” ou seja, o metrô é formado por vagões de… trem… acredito piamente que se faz necessário um estudo profundo do que significa trem e metrô por parte de quem se sujeita a escrever um artigo…
Muito bom o texto. Somente discordo da parte ” e sim da trágica expulsão das pessoas de baixa renda para regiões distantes por governos populistas.” Acho que, assim como sua análise minuciosa do que é metrô, falta uma análise mais cuidados envolvendo o contexto urbano das periferias incluindo aspectos históricos e sociais relevantes e considerando o contexto brasileiro. Não é só culpa de governos populistas. Se vc considerar a expulsão de pessoas em SP sempre para regiões mais periféricas em tempos anteriores, verá que há muita influência do setor imobiliário e de gente com muita grana influenciadora de governos, sejam populistas ou não. Vide a companhia light, por exemplo.
Você tem razão, Edegar, realmente é um assunto mais complexo, mas o resultado tem sido o mesmo, uma mancha urbana irregular em que grande parte da população mora muito distante das regiões centrais ao mesmo tempo em que há uma enorme área pouco habitada e degradada que poderia ser recuperada não apenas com habitações populares, mas com um projeto misto que envolva outras classes, comércio e serviços. Mas, como você diz, o setor imobiliário prefere deixar terrenos em petição de miséria à espera de valorização. Uma pena porque metrô ajuda muito, mas não faz milagres.