Bastou uma falha no sistema de controle de trens da Linha 3-Vermelha nesta quarta-feira (09) para que o Metrô voltasse mais uma vez às manchetes de forma negativa. Não importa o motivo do problema (embora o Metrô também tem sua parcela de responsabilidade mesmo com a chuva torrencial daquela tarde), fato é que a culpa pela falta de mobilidade de milhões de pessoas que queriam retornar para suas casas ou seguir para outro compromisso foi comprometida, gerando as já famosas fotos de plataformas lotadas, gente tentando buscar uma alternativa, mas muitos se conformando em esperar para tomar o trem assim que possível.
Ou seja, a culpa? A ‘culpa’ é do Metrô. Ou da CPTM, caso aconteça em uma das seis linhas. Antes que conclusões apressadas possam cravar que esse blog está defendendo o indefensável, vale uma reflexão. No caso da Zona Leste, fato raro no mundo, um sistema de transporte de alta capacidade percorre quilômetros de vias paralelas em três linhas a saber:
Linha 3- Vermelha do Metrô: média diária de transporte em dia
útil – 1,2 milhão de passageiros
Linha 11-Coral da CPTM: média diária de transporte em dia útil
– 701 mil passageiros
Linha 12-Safira da CPTM: média diária de transporte em dia
útil – 249 mil passageiros
Estamos falando, portanto, de nada menos que 2,2 milhões de pessoas circulam por dia nesse eixo entre a Zona Leste e o centro de São Paulo. É como se toda a cidade de Houston, nos Estados Unidos, a quarta mais populosa do país, resolvesse deixar seus imensos automóveis em casa ao mesmo tempo e seguir viagem de trem e metrô. E pensar que nem mesmo com as três linhas a população dessa imensa região de São Paulo encontra ruas e ônibus vazios.
Pior do que isso é pensar que boa parte desses cidadãos atravessa áreas onde poderiam morar caso a cidade tivesse uma distribuição mais justa. Mais perto do trabalho, em regiões hoje abandonadas ou que à noite silenciam após os trabalhadores irem para suas casas, essa população ganharia tempo e qualidade de vida. Mas passam boa parte do dia a bordo de uma das composições apertadas e calorentas (mesmo com o advento do ar-condicionado em muitos trens). Talvez imaginando por que o Metrô e a CPTM não dão conta da situação.
Metrô, o “vilão” que desvaloriza imóveis
Outro título geralmente conferido ao Metrô chega a ser irônico, o de destruidor de regiões, um ‘mal’ que traz pobreza, sujeira, barulho e desvaloriza imóveis. As vias dos trens precisam ser subterrâneas mesmo que a demanda e custo de construção não as justifique. Afinal, “trem passando na superfície incomoda, tira nossa privacidade e atrai mendigos. Que o diga o monotrilho da Linha 17 e seus moradores de rua sob as colunas”.
Curioso que a concepção da avenida Roberto Marinho, praticamente sem comércio e também sem privilegiar os pedestres e até ciclistas (com uma ciclovia permanente, não ciclofaixa de lazer) não motiva a ocupação da região, algo que a tornaria mais viva e segura. Os imensos prédios residenciais surgidos após o Operação Urbana também contribuem para tornar a avenida uma espécie de túnel aberto de carros: com vários andares de garagem nos primeiros pisos e seus enormes muros de costas para a rua, eles são a cereja do bolo da receita para destruir uma região que poderia ser um belo corredor da cidade. Mas nada disso é levado em conta já que culpar o monotrilho, um transporte que nem bem foi testado mas já é considerado fracassado por boa parte da população e da imprensa, parece mais simples.
Ser comparado ao triste Minhocão, então, virou regra. Mesmo sendo mais alto e estreito que o elevado criado pelo ex-governador Paulo Maluf, o monotrilho da Linha 15-Prata teria acabado com a harmonia da avenida Anhaia Mello, na Zona Leste. Mas basta ver a imagem abaixo para notar que novamente o entorno pouco faz para ajudar e na maior parte dos casos piora essa percepção.
Em 2010, a avenida era cinza, sem vegetação e com um canteiro central decrépito. Com o monotrilho, ganhou-se paisagismo e uma ciclovia, enquanto os imóveis em volta dele aparecem mais pichados, as calçadas nada ganharam em urbanismo e a fiação aérea permanece lá do mesmo jeito.
“Não preciso de estação”
O Metrô também é ‘culpado’ de tentar abrir estações que deveriam facilitar a vida das pessoas, mas que, por incrível que pareça, são rejeitadas. Quantas comunidades na cidade já reclamaram ou até desprezaram ter uma parada em seu bairro? A ex-estação Três Poderes da Linha 4-Amarela é um caso emblemático. Prevista na primeira concepção da linha, a parada ficaria na esquina da avenida Francisco Morato e rua do mesmo nome. No entanto, os líderes comunitários conseguiram pressionar o Metrô a eliminar a estação e culparam um terminal de ônibus por isso. Não queriam o movimento dos ônibus, mas por que não pediram apenas para retirar o terminal? O resultado é que um local que poderia ter comércio, serviços e evitar que muita gente saísse de casa com seu automóvel hoje é apenas um ponto de ventilação da linha.
Outro episódio triste e até mais conhecido, a estação que ficaria na avenida Angélica com a rua Sergipe, conhecida pela infeliz definição de uma moradora que não queria ‘gente diferenciada’ no bairro, é o exemplo mais dilapidado da visão distorcida que a população tem do Metrô. Estações deveriam ser disputadas pelos bairros e não evitadas.
Como muitos sabem, em outros países desenvolvidos, as linhas de metrô e trem são exploradas comercialmente e atravessam tanto regiões pobres quanto ricas. É verdade que a conservação de alguns sistemas é muito ruim, mas isso não é um problema específico do modal e sim da administração pública.
O caminho de uma melhor qualidade de vida passa pelo metrô
Há quem defenda que os corredores de BRTs são mais baratos e rápidos de construir, porém, numa cidade como São Paulo, em que a demanda é sempre monstruosa, acreditar que alguns corredores em vias apertadas resolverá a mobilidade da cidade é de um otimismo assustador. Eles são complementares, mas nunca substitutos de uma linha férrea de grande capacidade. Se não conseguimos construir linhas com rapidez necessária é porque problemas como burocracia, legislação, falta de planejamento e recursos, corrupção e gestões preocupadas apenas com eleições impedem que elas surjam no ritmo adequado.
A solução para que a cidade seja mais produtiva e agradável de viver passa invariavelmente pelo transporte sobre trilhos. Não há como fugir disso. O Metrô e o trem metropolitano são vetores de desenvolvimento em regiões desabitadas como também tem um enorme potencial de elevar a produtividade em áreas adensadas e ricas da metrópole. Basta apenas que os órgãos públicos trabalhem em sintonia, invistam sem cessar no crescimento da rede e, sobretudo, ocupem a malha urbana adequadamente, ou seja, tragam as pessoas mais perto das outras e não as obriguem a viver a quilômetros e mais quilômetros de onde estão os empregos, comércio e serviços da cidade.
Quem sabe assim, a Linha 3-Vermelha e suas primas da CPTM deixarão de ‘mover’ de lugar a cidade de Houston todos os dias.