Apesar de expectativa, volta de trens de passageiros até Sorocaba é desafio enorme e caro

Concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda para a ViaMobilidade fez renascer esperança de retorno do serviço sob trilhos, mas trecho entre Amador Bueno e Sorocaba exige investimentos vultosos para ser recuperado
Estação Sorocaba (Jean Carlos/SP Sobre Trilhos)

Há pouco mais de uma semana, o leilão de concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda foi realizado com vitória do consórcio ViaMobilidade Linhas 8 e 9 após uma oferta de R$ 980 milhões. Passada a fase de apreciação da documentação técnica o contrato deverá ser assinado para que a nova empresa possa assumir a operação das linhas pelos próximos 30 anos.

Além de assumir os dois ramais de trens metropolitanos, a futura concessionária poderá lançar um novo serviço, já que o contrato prevê a possibilidade de retomada das viagens de trens de passageiros até Sorocaba.

Embora isso não tenha relação direta com o prometido Trem Intercidades para a cidade do interior de São Paulo, um projeto mais ambicioso e voltado para viagens diretas, a notícia tem ganhado repercussão nos municípios desse eixo ferroviário. Entretanto, como este artigo mostrar, será preciso vencer um grande obstáculo para que os trens possam atender aos passageiros na região oeste do estado.

Histórico do serviço

Para compreender o retorno dos trilhos até Sorocaba é preciso inicialmente ter em mente como os trens chegaram naquela região. A história começa no ano de 1875 quando foi fundada a Estrada de Ferro Sorocabana. A ferrovia partia de São Paulo cortando toda a região oeste da metrópole até atingir Sorocaba e se prolongar por alguns quilômetros em direção ao interior.

Em meados da década de 20 e 30, surgiu o sistema de trens de subúrbio onde o atendimento ganhou maior ênfase nas viagens mais curtas em estações da área metropolitana. Inicialmente o trecho servido contemplava o percurso entre São Paulo e Sorocaba, considerado mais crítico.

Trecho do TIC de Sorocaba e a demanda estimada em 2013 (GESP)

Durante os anos 70, na gestão da Fepasa, os trens tiveram seu traçado reduzido até a cidade de Mairinque que se tornou terminal dos trens de subúrbio. Cabe citar que naquela época não eram todos os trens que tinham como destino aquela estação. Na década de 80, o sistema passou por grandes remodelações incluindo a reforma de estações, mudança de bitola e novos trens. O trem de subúrbio passou a se denominar “trem metropolitano”. A Linha Oeste (atual 8-Diamante) foi a primeira linha a de fato ter um serviço próximo ao que existe hoje na CPTM.

A remodelação originalmente atingiu o trecho entre São Paulo e Itapevi. A faixa entre Itapevi e Amador Bueno passou por modernização e adequações nas estações, enquanto o percurso até Mairinque não sofreu grandes alterações, a não ser a construção de pequenas paradas para os trens. No final dos anos 90, a CPTM encerrou o serviço de trens de passageiros entre Amador Bueno e Mairinque, que passou a operar apenas com trens de carga.

Os trens de carga por sua vez deixaram de circular na Linha 8-Diamante no ano de 2013. O trecho entre Amador Bueno e Mairinque ficou abandonado desde aquele tempo, acumulando uma série de problemas que exigirão grandes medidas para sua reativação.

Trem movido a bateria da Bombardier (atual Alstom)

Possível retorno

Os rumores do retorno dos trens até Sorocaba levantam alguns questionamentos importantes como, por exemplo, o traçado a ser utilizado. Existe uma hipótese mais antiga que leva em consideração a criação de um novo traçado totalmente segregado da Linha 8-Diamante, e uma mais nova que tem como premissa reutilizar a faixa de domínio existente entre Amador Bueno e Sorocaba passando pelo trecho crítico entre Amador Bueno e Mairinque.

A primeira hipótese se mostra bastante inviável tendo em vista os custos para a implantação de uma via férrea totalmente segregada. Os custos com a construção de um traçado com baixa sinuosidade e a possibilidade de desapropriações encarece o projeto. A ideia de recuperar o trecho até Sorocaba, nos mesmos moldes do que se deseja fazer com o TIC até Campinas, é uma opção que poderia poupar recursos, mas, que exigiria atenção especial a uma série de requisitos, principalmente aqueles relacionados ao traçado sinuoso.

Trem pendular é uma tecnologia estudada para trajetos com muitas curvas fechadas (GESP)

Desafios de recuperar o trecho abandonado

Há cerca de 4 anos, tive a oportunidade de conhecer in loco a situação do trecho da Linha 8-Diamante que está abandonado (veja galeria abaixo). Diversos problemas foram constatados ao longo da caminhada entre Amador Bueno e Mairinque. Se o governo quiser realmente viabilizar o trem até Sorocaba, precisará sanar várias questões.

A primeira questão é social. Próximo às áreas urbanas, principalmente em Amador Bueno, várias moradias foram construídas sobre a via férrea de forma que a passagem do trem fica parcialmente (quando não completamente) obstruída pelas casas improvisadas. Da mesma forma que ocorreu quando da implantação do trecho Grajaú-Varginha, o governo deverá dar a devida assistência social aos moradores dessa região.

A segunda questão é ambiental. Toda a extensão do trecho entre Amador Bueno e Mairinque está tomada por densa vegetação. Isso inclui desde matagal alto até árvores nascendo em meio aos trilhos e indivíduos arbóreos de grandes proporções tombados na via. Questões mais complexas como a movimentação de terra em alguns trechos, inclusive perto da via, e áreas de drenagem comprometida necessitarão de grandes obras para serem devidamente tratadas.

A terceira questão é técnica. A superestrutura ferroviária está completamente degradada e a via permanente não tem as mínimas condições de suportar qualquer tipo de movimentação que exija maiores esforços. Existem marcas e indícios de descarrilamentos em várias partes da via. O traçado sinuoso e a bitola, que diverge daquela existente na Linha 8-Diamante, compromete o serviço. A ausência de rede elétrica também é um fator que precisa ser considerado caso um trem venha a ser implantado.

Conclusão

Falar da possibilidade dos trens até Sorocaba é tarefa fácil. O desafio é ter olhar crítico e realmente colocar as cartas na mesa para discutir o quão factível são as propostas e intenções. O governo do estado em gestões anteriores planejava o TIC como sendo um serviço competitivo ao ônibus, podendo inclusive superá-lo caso uma estrutura de alto padrão fosse implantada.

Desde aquela época, os estudos mostraram que o TIC até Sorocaba era de longe o com menor demanda, ou cerca de um terço do movimento esperado no Trem Intercidades que atenderá Campinas. Ou seja, será preciso comprovar que a ligação férrea será atraente a ponto de justificar esses investimentos.

Os tempos mudaram e a opção por soluções mais baratas pode ser uma alternativa para viabilizar o retorno do transporte ferroviário até Sorocaba. Não se sabe exatamente como o governo pretende tratar o novo serviço. Se criará uma operação expressa ou se fará um serviço parador, como o TIM proposto entre Francisco Morato e Campinas com estações intermediárias paradoras.

Ainda haverá bastante tempo até que a ideia de um trem até Sorocaba amadureça e saia do papel. A ViaMobilidade parece estar interessada em operar o serviço, o que pode fazer dela uma empresa com papel fundamental na modelagem do novo serviço. Soluções inovadoras como trens movidos à bateria, que podem substituir a necessidade de rede aérea sem recorrer aos combustíveis fósseis, ou o famoso trem pendular, que tem a capacidade de inclinar a sua estrutura quando inscrito em curvas fechadas, são ideias que podem ser implantadas com um custo menor do que o de uma linha 100% nova.

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15 comments
  1. Jean, parabéns pelo ótimo artigo!

    Como morador da região (vivo em Alumínio e nasci e São Roque), venho estudando e acompanhando todo e qualquer projeto e notícia referente à ferrovia entre São Paulo e Sorocaba. Inclusive, em 2019, foi publicado aqui no MetrôCPTM um artigo de minha autoria em que eu defendia a implantação de um corredor regional de ônibus no leito desativado da antiga Fepasa entre São Roque e Amador Bueno, considerando a construção de um traçado novo para o trem regional.

    No entanto, como você frisou muito bem, os tempos mudaram. A pandemia de Covid-19 fez tornar o home office uma realidade (para algumas empresas, ele se tornou definitivo) e o movimento de ônibus fretados entre Sorocaba e a Grande São Paulo praticamente acabou. também há o fato de ainda haver espaço para ampliação na capacidade do sistema Castelo Branco-Raposo Tavares (que apresenta 1/3 do movimento diário do sistema Anhanguera-Bandeirantes), com quarta faixa na Castelo até Sorocaba e a duplicação total da Raposo (bem como a própria L22 do metrô, a ser implantada).

    Hoje, penso que qualquer projeto que envolva levar o trem de passageiros a Sorocaba tem que incluir o transporte de cargas no pacote. A sistema Castelo Branco-Raposo Tavares apresenta movimento muito grande de caminhões, que chega a refletir no trânsito e até na segurança viária. Além disso, as ferrovias brasileiras vivem um novo momento de expansão no qual a carga geral vem ganhando cada vez mais espaço. Então, a melhor alternativa para a região de Sorocaba seria a reconstrução da linha férrea para uso misto de trens de passageiros e carga, incluindo a construção de uma segregação entre Itapevi e Lapa (integrando-se com a futura segregação da MRS) e um grande pátio intermodal em Sorocaba para containers, piggy-back, madeira, cimento, alumínio, minérios em geral e automóveis; a linha seria reconstruída em bitola mista, visando possível acesso dos trens da Rumo e VLi a São Paulo via Itu. A operação de trens cargueiros seria por open access, gerando receita e viabilizando o possível transporte de passageiros (cuja operação conjunta é plenamente viável).

    Penso ser mais urgente pensar no transporte de cargas na região de Sorocaba. Com o corredor reconstruído para trens cargueiros, haverá menor impacto ambiental, mais segurança nas rodovias e menores congestionamentos.

  2. nem o TIC até campinas sai, quem dirá esse até sorocaba.

    como o rodrigo acima citou, poderia sim ter uso com trem de carga, trem de passageiros e trem turistico. nao sou estudioso do assunto, mas entendo q o modelo de concessao nao deveria envolver a malha ferroviaria, mas sim a permissao pelo direito de passagem, garantindo assim realmente uma competitividade entre empresas de logistica e melhor uso dos ramais ferroviarios.

  3. Acho que temos outras prioridades no momento do que atender a essa baixa demanda em Sorocaba, servida de uma boa rodovia até a capital.

    Temos que destravar os projetos engavetados, tais como a Linha 22 para desafogar a raposo.

    Temos também que dar a viabilidade necessária para a Linha 13, que foi construída as pressas e hoje é um baita abacaxi para a CPTM.

    Deixe a CCR quebrar a cabeça, o interesse é dela. Se ela quer investir, vai em frente. Uma expansão sempre agrega, mas a empresa tem outras importantes expansões a realizar futuramente (linha 05 – Campão Redondo-Jardim Angela e Chacará Klabin-Ipiranga e Linha 04 São Paulo-Morumbi-Taboão da Serra)

  4. Recuperar o trecho entre Sorocaba e Itapevi (Amador Bueno) para o transporte misto é viável desde que haja uma segregação simples entre Itapevi e a capital (Bairro da Lapa) para os trens de cargas.
    Quanto aos trens de passageiros, podem utilizar um trem pendular eletrodiesel sendo que entre São Paulo e Itapevi utilizaria a energia elétrica da rede existente e a partir de Itapevi até Sorocaba o trem utilizaria geradores diesel para sua tração.
    A importância do transporte misto neste trecho, se faz do fato da linha ser mais viável, rentável e econômica pois mesmo com o reduzido transporte de passageiros teria a renda obtida do transporte de cargas, além do custo de sua implantação ser mais baixo pois não implicaria em uma grande infraestrutura tecnológica.
    Um exemplo de linha de transporte misto é a EFVM da Vale, onde pessoalmente conheci e recomendo a fazer uma viagem pelos seus trilhos.

  5. Eu entendo, defendo e concordo com o que foi escrito na matéria. Mas fico me perguntando: porque a engenharia só cabe a rodovias e não para ferrovias? Porque sistema ferroviário é tão mal vista nesse país? Porque se investe muito mais em sistema de poluição do que um, que poderia ser, “energia limpa”? Porque, para construir estradas e rodovias, pode desabrigar e passar por cima do meio ambiente e para uma ferrovia não pode?

    Construir rodovias é muito mais barato que construir ferrovia, disso eu sei. Mas, pelo menos, um investimento em trens de alta velocidade interestaduais, na qual a velocidade e o tempo de viagem entre um ônibus e um trem de alta velocidade é gritante. Sem contar na diferença de transito também.

    Mas todos os meus questionamentos são: porque tanto medo de investir em ferrovia se em alguns países isso deu certo e cada vez mais estão expandindo?

    (cenário sem covid)

  6. Mundialmente, e não só no Brasil em uma ferrovia o que possui maior rentabilidade e apresenta superávit é o serviço de cargas e não o trem de passageiros de média distância que são deficitários, é economicamente inviável pois não existe demanda suficiente se pensar em construir trens de passageiros intercidades que não sejam compartilhados cargas e passageiros, seja para Americana, Sorocaba, São José dos Campos, Santos.
    A elaboração dos contratos de concessões por possuírem prazos longos, acima de trinta anos deveriam ser minuciosamente descritos com a intervenção obrigatória do sistema jurídico, não devendo dar margens a interpretações dúbias, assim como já aconteceram com os trens intercidades que não se previu compartilhar trens de passageiros com os de carga, aquele bloqueio para os trens da Linha 13-Jade não terem acesso ao aeroporto de Guarulhos e inúmeros outros, no entanto percebe-se uma atitude afoita e despreparada dos gestores principalmente nos períodos eleitorais.
    A exclusão do serviço de trens de passageiros intercidades entre a capital e Sorocaba no pacote de concessão, com prazo para ser executado é o verdadeiro motivo deste contrato de concessão ficar pendente, pois caso isto aconteça se irá entregar o filet mignon e ficar com o osso e será mais uma vez o estado subsidiando o privado, ou seja, se privatiza o lucro e socializa o prejuízo, e após isso ocorrer não adiantará lamentar.

  7. Sorocaba é sede de uma região metropolitana que integra a Macrometrópole Paulista. Só isso já responde o questionamento sobre se há demanda ou não.
    E ficaria bem feio pro governo estadual levar trens para todas as demais cidades com essa característica (Campinas, São José dos Campos e Santos) e deixar uma de fora.

    1. Balela? Baseada em que? Você fez algum estudo?
      Foi feito um estudo demonstrando que Sorocaba apresenta a menor demanda
      Quer contestar? Ótimo. Seus argumentos são….?

      1. Ter a menor demanda não quer dizer que não tenha demanda e que o percurso deva ser descartado.

  8. Tudo balelas, quando se tem vontade politica faz. Outros paises fizeram obras muito mais dificil, como longas ponte sobreo o mar ou tuneis por baixo.
    Nosso maior problema para execução de obras chama‐se corrupção e emendas palamemtares, que na verdade está simbióticamente ligado ao primeiro.
    Com trens de alta velocidade haverápassageiros, mas com trem normal não.
    Simplesmente isso.

  9. Quem pensa assim que vai ficar caro acha q foi nois do interior que acabamos com o trem passageiro,sendo que eles msm q tiraram nossa alegria .bom enorme eo salário deles pq qando é pra nois do interior tudoooo fica difícil , desafio enorme e coloca vários obstáculos pra dificultar as coisas,agora pra faze uma obra na capital ai fica fácil é troca trem e estação sendo construída, sendo q a nossa aqui do interior muitas delas estão todas a maioria abandonas e a sendo destruidas pelo tempo.

  10. Nesse caso é obrigar a concessionária que usufrui desse trecho que foi abandonado em repor tudo que foi tirado e sucateados. O governo Estado de São Paulo deu de bandeja tem por necessidade de exigir da maneira que estava o trecho com trilhos e rede elétrica que foi roubado.

  11. Essa história que não há demanda que justifique a retomada dos trens de passageiros é de se questionar.
    Pois os trens de passageiros da Vale na Vitória-Minas e E.F. Carajás percorrem com todos os seus assentos ocupados, quando as visitei pude ver isso pessoalmente.

    Mas o fato desses trens não darem lucro, não quer dizer que não tenham demanda para seu uso.
    Trem de passageiro de longo percurso não é viável do ponto de vista de lucro, mas é totalmente viável do ponto de vista social.

    Os trens da Vale atendem alguns vilarejos onde que o próprio trem é o único transporte que existe e mesmo em cidades maiores com rodoviária, como Governador Valadares e São Luís, as pessoas nunca deixaram de viajar de trem.

    A Vale os mantém, devido a obrigatoriedade no contrato de concessão em manter o transporte de passageiros como compensação social.

    O que está em vista é que não há demanda para trens de alta velocidade (Exceto o trecho Rio-SP) em muitos trajetos, mas para trens como os da Vale sim.

    Tudo depende na frequência de tráfego de trens para se adequar à demanda. No caso nas linhas da Vale são:
    EFVM – Um par de trens (um em cada sentido) por dia.
    E.F. Carajás – Um trem por dia-sentido, alternados nos dias da semana.

    É bom saber que nos EUA, o maior país rodoviário e de tráfego aéreo do mundo, não desativaram totalmente os trens de passageiros.

  12. É interessante saber que existe uma diferença entre trens de longa distância e trens regionais.

    Trens de Longa Distância: Percorrem distância superiores a 120 KM.
    Apresentam menores paradas e frequência do que os trens regionais.
    Dispõe maior número de carros e mais intens de conforto (carro bagagem, carro restaurante, carro poltrona, carro dormitório, e muitos sanitários. Geralmente é tracionado por locomotiva.)
    Pode desenvolver velocidade média de 60,90,120 KM/h
    Necessita de menos investimento, por compartilhar a estrutura existente.

    Trens Regionais: Percorrem distância de um raio de 120 KM.
    Apresentam paradas e frequencia maiores que os trens de longa distância e menores que os trens metropolitanos.
    Dispõe menor número de carros e menores intens de conforto ( três á cinco carros, todos com assentos estofados e dois sanitários por trem.
    Geralmente são trens unidade.)
    Desenvolvem velocidades média de 120,140,160 KM/h
    Necessita de maior investimento por geralmente exigir via segregada.

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