Após 95 dias sem funcionar, a Linha 15-Prata do Metrô voltou a circular no final da tarde da segunda-feira, 1º de junho, e abriu às 4h40 nesta terça-feira pela primeira vez desde o incidente com o estouro do pneu da composição M20. A operação, no entanto, só ocorre entre as estações Vila Prudente e Jardim Planalto, mas com promessa do governo de restabelecer o trecho até São Mateus “nos próximos dias”.
A reabertura do ramal de monotrilho, entretanto, foi um episódio conturbado e cheio de incertezas. Na sexta-feira, o secretário Alexandre Baldy (Transportes Metropolitanos) veio a público confirmar que a Linha 15 voltaria a funcionar na segunda-feira, mas sem ter ainda um plano de operação já que dependia de um laudo de segurança da Bombardier, fabricante do trem. Esse documento, uma espécie de garantia da empresa de que seria seguro utilizar o sistema, deveria ter ficado pronto na noite do sábado, a tempo de o Metrô planejar o reinício do serviço, mas a promessa da fabricante canadense mais uma vez foi em vão.
Em vez disso, mais testes ocorreram no domingo e sem que fosse possível liberar a operação na segunda-feira. A Linha 15 amanheceu parada ontem e durante a manhã mais trens foram testados enquanto o governo informava que não havia recebido o laudo, que a Bombardier dizia ter entregue. O impasse obrigou o secretário a fazer uma visita ao pátio de manutenção Oratório durante a tarde, ao passo que funcionários do Metrô diziam que estavam prontos para retomar o serviço.
Apenas às 17 horas, o primeiro trem saiu do pátio em direção à Vila Prudente para iniciar a operação, acompanhado de Baldy, o presidente do Metrô, Silvani Pereira, e outros diretores da companhia. Em rede social, o secretário afirmou que “o Metrô segue cobrando o consórcio CEML – das empresas Bombardier, Queiroz Galvão e OAS – para a liberação do trecho até São Mateus nos próximos dias“.
Receita frustrada
O retorno da operação da Linha 15-Prata ocorre ainda durante a chamada “operação monitorada”, em que Metrô e CPTM funcionam com menos trens circulando e conforme o aumento da demanda. A exclusão das três estações inauguradas em dezembro, no entanto, não foi explicada pelo governo. O trecho até Jardim Planalto funciona desde agosto do ano passado enquanto as quatro estações inauguradas em 2018 (São Lucas, Camilo Haddad, Vila Tolstói e Vila União) operam em tempo integral desde janeiro de 2019.
Quando ocorreu o incidente, no dia 27 de fevereiro, ocasionado pelo estouro de um pneu da composição M20, o monotrilho rumava para bater seu recorde de passageiros transportados. Apesar de chegar a 10 km de extensão e 10 estações, o ramal apresentava vários problemas para operar um carrossel de trens mais volumoso e capaz de dar conta da demanda crescente, estimada em 300 mil usuários/dia. Até fevereiro, a linha já atingia uma média de 110 mil pessoas com pico de 130 mil passageiros em dias úteis mas ao custo de filas e intervalos mais altos.
O clima entre o consórcio CEML, que construiu e forneceu os trens e sistemas da Linha 15, azedou nesses três meses. Há relatos de desentendimentos entre os sócios, com as duas construtoras (OAS e Queiroz Galvão) e a Bombardier trocando acusações sobre a culpa pelo incidente, segundo fontes ouvidas pelo site. Por essa razão, as correções para resolver o problema acabaram envolvendo as três, com as empreiteiras promovendo retificações na superfície das vias e a fabricante do monotrilho decidindo trocar os conjuntos de “run-flat” por peças com 17 mm a menos de diâmetro. Tudo isso para eliminar o risco de novos contatos da peça metálica com os pneus e que ocasionaram o rompimento.
O laudo da Bombardier sobre as causas do problema não foi divulgado pelo governo, mas espera-se que outra investigação, feita pelo IPT a pedido do Metrô, traga luz sobre o episódio, que maculou ainda mais a imagem do monotrilho. Seja qual for a real causa do incidente, é certo afirmar que o modal em nada contribuiu para isso afinal existem sistemas semelhantes mundo afora que funcionam sem qualquer problema do gênero. Já o projeto do trem da Bombardier e a execução das obras merecem uma análise profunda a fim de saber se houve algum tipo de irresponsabilidade na condução do projeto, que custou bilhões de reais aos cofres públicos.
Além disso, o consórcio deverá ressarcir o poder público pela receita frustrada nesse período, que causou perdas diárias de cerca de R$ 1 milhão, segundo o governo. Não há como afirmar que não houve tempo e condições para testar o sistema apropriadamente, afinal a Linha 15-Prata já funciona há quase seis anos.
O problema é o seguinte: a tecnologia é nova para o cliente, e a Bombardier pode muito bem ter escondido os problemas corriqueiros que acontecem nós outros sistemas de transporte que ela forneceu o material rodante. Os problemas podem até não ser culpa diretamente dela: pneus ou via, por exemplo. Mas ela tinha obrigação de deixar o consórcio e o cliente plenamente cientes. A gente já viu em outros sistemas de transporte que ela costuma esconder as falhas dela, imagina a dos sistemas associados. Hipoteticamente, a gente sabe que obras estão sujeitas a assentamento do terreno, mas em viadutos ferroviários isso não compõe problema urgente, visto que a via metálica pode compensar dinamicamente qualquer pequeno assentamento. E o alinhamento das vias é uma ciência plenamente conhecida nesse caso. Mas, e nessa tecnologia de viga-trilho? Como agir em um possível problema de juntas, sendo que aqui no Brasil chove copiosamente e, no caso dessa linha, em que foram feitas colunas em leito de cursos d’água? Teria que ser feito um monitoramento online dessas estruturas, até porque é um sistema experimental por aqui, e que vai carregar milhares e milhares de pessoas por dia, por cima das cabeças de milhares de pessoas em deslocamento nas avenidas de baixo e nas residências ao redor. Além disso, um programa minucioso de testes dos pneus antes de mandá-los à operação, para evitar impactos de qualquer defeito de fabricação na operação (e também um programa detalhista de observação e controle de cada um desses pneus durante a operação, para agir rapidamente antes que qualquer problema cause interferência ou incidente na operação). Em Montreal, a maioria das vias é subterrânea e o trem corre numa caixa, sendo que qualquer incidente é contido alí mesmo. Já aqui, um pedacinho de borracha pode matar uma pessoa lá embaixo da via, pois não existe nenhuma barreira. Deveria ser feita uma caixa embaixo das vias para evitar qualquer incidente de queda. Vai ficar menos bonito, mas assim é a vida, e a proteção à vida é prioridade.
Para finalizar, acho que aqui no Brasil deveria haver um órgão independente de segurança dos transportes, que já existe para os transportes aéreos, mas não para os outros modais de transporte. Seria um excelente aliado na segurança rodoviária, e um observador preciso (e até aqui inexistente) no transporte ferroviário. Pois não podemos confiar totalmente nos operadores, com suas preocupações comerciais, políticas e de operação, e muito menos nos fabricantes e fornecedores, que prometem mil maravilhas na hora da venda de seus sistemas, mas que defletem rapidamente a responsabilidade quando ocorrem erros ou até desastres durante testes ou operação.
Esse lance de ocultar defeito não é exclusividade da bombardier não
Ricardo, perdão pela correção, mas não seria Jardim Planalto? Rs
Oi Victor, quem tem que pedir perdão sou eu! Escrevi errado quatro vezes no texto, não dá nem pra culpar uma distração momentânea…rs
Obrigado pelo aviso e fique à vontade para apontar esses erros, por favor. Abraços!