Dez anos depois de anunciada, Linha 17-Ouro do Metrô ainda preserva sua importância

A despeito do planejamento deficiente e de obras problemáticas, ramal de monotrilho ainda mantém intacta capacidade de melhorar a mobilidade da região sul de São Paulo
Vias do monotrilho: planejamento falho e problemas com contratos atrasaram projeto, mas não foram capazes de macular sua importância (iTechdrones)

No dia 30 de julho de 2011, o então governador Geraldo Alckmin assinou o contrato inicial de construção da Linha 17-Ouro do Metrô, a segunda a utilizar o modal de monotrilho, então uma incógnita no país.

Com 18 estações e 17,7 km de extensão, a Linha 17 foi prometida completa para 2015, ou seja, cerca de quatro anos depois. Inserida na matriz da Copa, um conjunto de obras voltadas a melhorar a mobilidade nas cidades-sede do evento de futebol, a nova linha deveria ter entrado em operação em 2014, ano da realização do torneio.

Após a substituição do estádio do Morumbi pela novata Arena do Corinthians, na Zona Leste, o argumento da Copa perdeu sentido, mas o ramal não. Afinal não se investem bilhões num sistema de transporte apenas para uso de torcedores durante algumas semanas.

No entanto, uma sucessão de erros de planejamento e problemas financeiros e jurídicos atropelou sua implantação de tal forma que, 10 anos depois, o ramal ainda não tem uma previsão segura de inauguração do chamado “trecho prioritário”, com oito estações e 6,7 km de vias operacionais.

A situação atual é, de longe, a melhor em muitos anos, com os dois contratos principais em andamento, mas em ritmo aquém do necessário para a prometida abertura até o final de 2022.

Obras do pátio Água Espraiada e estação Washington Luiz: ritmo lento (iTechdrones)

Se nada de novo ocorrer, é bem possível que a Linha 17 enfim passe a funcionar em cerca de 24 meses, numa estimativa baseada no prazo dos contratos – incluindo-se aí o tempo necessário para concluir obras, trens e sistemas e o necessário período de testes.

Só então será possível medir seu impacto numa região que hoje prioriza o transporte individual. Com previsão de transportar diariamente 175 mil passageiros num cenário de 2025, a Linha 17 será a segunda menor de São Paulo em capacidade, só à frente da Linha 13-Jade em seu projeto original.

Mas engana-se quem aposta que ela será um fracasso e que, sobretudo, poderia ser substituída por um mero corredor de ônibus.

Trecho prioritário não é referência para críticas

Nesses dez anos, as críticas ao projeto se acumularam e geralmente atacaram velhos mitos como a suposta baixa capacidade e o custo elevado, entre outros. A mais recente veio do jornal Folha de São Paulo que publicou longa reportagem repetindo ‘chavões’ do lobby dos BRT, como o custo mais baixo desse modal e a capacidade semelhante.

O jornal apontou o corredor de ônibus da avenida Luis Carlos Berrini como equivalente ao monotrilho, mas ignorou que a SPTrans só transporta esse número de pessoas com dezenas de ônibus poluentes e mais lentos e que interferem no viário da região.

O trajeto da Linha 17-Ouro

Um dos erros ou omissões propositais nessas críticas é esquecer que a Linha 17 é um projeto maior e que só faz sentido completo.

Com as duas outras fases suspensas, o monotrilho será capaz de transportar perto de 500 mil pessoas por dia, patamar impossível para ônibus sem causar um desastre urbano em seu entorno. Algo como o colombiano Transmilênio, o BRT favorito de especialistas e que ironicamente ganhará a companhia de duas linhas de metrô em Bogotá em breve.

Não é preciso ir muito longe para constatar que a Linha 17 levará muita gente quando estiver em operação plena. Uma resposta enviada pelo Metrô à Assembléia Legislativa no final do ano passado, estima que o ramal terá uma demanda de 350 mil usuários por dia por volta de 2035 apenas com a etapa até o Jabaquara pronta.

E ela nem é a mais necessária do projeto. O trecho que corta a região do Morumbi tem o maior potencial de transformação ao proporcionar à população um forma rápida e barata de mobilidade em locais que hoje têm difícil acesso.

Resposta enviada pelo Metrô à Assembléia no final de 2020: demanda de 350 mil passageiros

Linha perimetral

Essa etapa, no entanto, esbarra num trajeto polêmico e que, à época das primeiras desapropriações e mapeamentos, acumulava nove processos na Justiça contrários à sua implantação.

O que é preciso entender a respeito da Linha 17-Ouro é que trata-se de um raro caso de linha metroviária perimetral em São Paulo, ou seja, cujo traçado não segue em direção ao centro da capital. Por conta dessa característica, ela tem potencual de distribuir o fluxo de passageiros da rede além de encurtar viagens desnecessárias.

Tão criticada, a Linha 17 é uma das mais democráticas concebidas pelo Metrô. Ela atende regiões de baixa renda como as existentes nas imediações do Jabaquara e Vila Santa Catarina, e na favela de Paraisópolis, passa por bairros de classe média-alta como Campo Belo e Panamby, e eixos geradores de empregos como as avenidas Chucri Zaidan e a própria Berrini. Sem falar na ligação com o Aeroporto de Congonhas e o estádio Cícero Pompeu de Toledo.

Certamente um corredor de ônibus que fosse construído nesse traçado seria uma piada de mau gosto: caro, ineficiente e capaz de degradar ainda mais boa parte dessas regiões.

Percurso da Linha 6-Laranja: desempenho da Linha 17 não está tão distante dela (Jean Carlos)

Custo versus capacidade de passageiros

Um dos pontos mais atacados do projeto envolve seu custo. Segundo o mesmo documento enviado à Assembléia Legislativa, o custo previsto para a primeira etapa é de R$ 4,461 bilhões, o que parecia uma heresia se dividido pela extensão, de 6,7 km operacionais (R$ 666 milhões por km).

O primeiro erro nessa cálculo simplório é ignorar o trecho não operacional, de 1,1 km, que obviamente também faz parte do gasto. Nesse caso, o valor por km seria de R$ 572 milhões. Como o site observou nesta quinta-feira, a Linha 6-Laranja, um projeto subterrâneo e mais ‘robusto’, tem previsão de custar R$ 15 bilhões, ou cerca de R$ 1 bilhão por km.

“Mas a Linha 6 transportará muito mais gente”, dirão os apressados. Esse raciocínio só ignora o fato de que o futuro ramal a ser operado pela LinhaUni estará completa, com 15,3 km e 15 estações. A Linha 17, ao contrário, foi dimensionada para quase 18 km e utilizar como referência apenas seu trecho central é enganoso.

Boa parte dos gastos, como o do pátio de manutenção, está prevista na primeira fase, ou seja, as duas fases seguintes serão menores, de 6,5 km no Morumbi e de 3,5 km na região do Jabaquara, com cinco estações cada.

Maquete do monotrilho SkyRail que será usado na Linha 17 (STM)

Se o critério for a quantidade de passageiros transportado por km, a Linha 17 também não deixa a desejar: com o trecho até Jabaquara serão pouco mais de 11 km para uma demanda de 350 mil usuários/dia, ou 31 mil passageiros por km – a Linha 6 tem uma razão de 41 mil passageiros por km.

Mas a função do transporte coletivo é levar seus passageiros com eficiência, rapidez e segurança. Seja um trem convencional ou um monotrilho, a viagem segue parâmetros semelhantes de velocidade, conforto e automatização (e uma das principais justificativas para o custo mais elevado).

Nesse sentido, a Linha 6 “custará cerca de R$ 23,7 mil” por cada passagero transportado diarimente, dividindo-se seu investimento pela quantidade de usuários projetada. A meta para a Linha 17 seria atingir um patamar semelhante, independentemente da forma como está sendo implantada.

Mesmo dividindo seu custo (R$ 4,461 bilhões) pelos 175.000 de demanda diária teremos R$ 25.491 por passageiro/dia. Um pouco acima da Linha Laranja, mas com um detalhe importante, um ‘headway’ (intervalo entre trens) de 3 minutos. O sistema, no entanto, é projetado para operar com intervalos bem menores, ou seja, será possível transportar mais pessoas com facilidade.

foto: Borelli & Merigo Arquitetura
Render da futura estação da Linha 17 ao lado do estádio do Morumbi: pr0jeto só faz sentido completo

O que vale é a integração, não apenas a capacidade

Outro erro repetido à exaustão por ‘especialistas’ contrários ao projeto é considerar que linhas de metrô só valem a pena em regiões de alta demanda. Nada mais falso. Basta observar sistemas maduros no exterior para constatar que redes densas sobre trilhos incluem ramais de grande porte como linhas de média capacidade, entre outras.

O drama da Linha 3-Vermelha, uma das mais lotadas do mundo, parece que tornou-se um ‘padrão’ para o Brasil. Ou um ramal transporta mais de 1 milhão de pessoas por dia, de forma pendular, ou então é um desperdício de dinheiro.

No entanto, é justamente o crescimento da rede que permite que surjam novos projetos mais equilibrados cujo maior mérito é criar novas conexões. A própria Linha 17-Ouro será ligada a pelo menos quatro outros ramais: Linha 1-Azul (Jabaquara), Linha 5-Lilás (Campo Belo), Linha 9-Esmeralda (Morumbi) e Linha 4-Amarela (São Paulo-Morumbi).

A maior distribuição de passageiros e a multiplicação de trajetos será um grande trunfo do transporte sobre trilhos daqui em diante e nesse cenário o monotrilho terá lugar garantido, respondendo por uma demanda significativa. Gostem os críticos ou não.

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  1. Excelente texto.

    Só faltou citar o nosso querido secretário “Balde”, que não só fez parte da destruição da Linha 18 – Bronze, como recentemente esse estimado homem disse que “monotrilho nunca mais” em uma entrevista .

    “Ninguém quer outra linha ouro”…. estamos de fato muito bem servidos!

    1. Foi incompetência mesmo, como uma linha de monotrilho com mais ou menos 7 km de extensão demora mais de dez anos para ser concluída?, e nem sabemos se vão inaugurar ano que vem, pelo geito que está andando a passos largos essa linha, os caras fazendo comício porque entregou uma viga lá na marginal pinheiros, só aqui mesmo, e o restante da linha…. Um funcionário a cada estação sobe um bloco por dia desde que retornaram as obras você não ve mudanças e olha que retornou as obras vai fazer um ano, Preserva sua importância sim um ESQUELETO A CÉU ABERTO PAIRANDO SOBRE A ZONA SUL, para nós lembrar todos os dias do dinheiro jogado fora e da incompetência dos governantes.

  2. Tambem acho que, quanto mais conexões e baldeações entre as linhas, sobretudo entre as mais lotadas (notadamente como dito no texto na linha 3-vermelha) ajuda a distribuir melhor os passageiros, que ficam com uma escolha de ir por um caminho com menos gente nos trens, como é o caso da Penha (linhas 2 e 3). Eu sugeri ao secretário a expansão de linhas como a 5, após o Ipiranga, irem para Bresser-Mooca, ou para o Belém; e da linha 16 ou 6 no eixo leste não apenas como final até Cidade Líder, mas sim até Artur Alvim. Isso desafogaria as linhas 11 e 3 e nelas existe espaço para construção no entorno, igual à Penha

  3. Tambem acho que, quanto mais conexões e baldeações entre as linhas, sobretudo entre as mais lotadas (notadamente como dito no texto na linha 3-vermelha) ajuda a distribuir melhor os passageiros, que ficam com uma escolha de ir por um caminho com menos gente nos trens, como é o caso da Penha (linhas 2 e 3). Eu sugeri ao secretário a expansão de linhas como a 5, após o Ipiranga, irem para Bresser-Mooca, ou para o Belém; e da linha 16 ou 6 no eixo leste não apenas como final até Cidade Líder, mas sim até Artur Alvim. Isso desafogaria as linhas 11 e 3 e nelas existe espaço para construção no entorno, igual à Penha. Ajudaria inclusive a repensar extensões na linha 3, assim como feito na linha 1 (sentido Tucuruvi)

  4. O preconceito com relação ao monotrilho foi a trapalhada que o governo do estado fez em todo o seu projeto. O problema do monotrilho de SP não é o modal em si, mas a forma como foi administrada pelo governo. Agora que estão pegando o know-how tecnológico da montagem do sistema, é justamente o momento em que vão abandona-lo

  5. Baldy é um INCOMPETENTE! O Jurandir e o Alckmin demoravam para entregar, mas jamais converteram uma linha Metroviária em um simplório corredor de ônibus “brt”, com lojinhas de perfume (pra dizer que houve inovação) no projeto.

    O Metrô no ABC, nunca chegará graças ao BolsoDória/Baldy. Quem tiver hoje uns sessenta anos, vai morrer e nunca verá o metrô na região. Esperar a linha 20-rosa, passar pela Faria Lima, e só depois ir em direção ao abc, é utopia.

    Parabéns aos envolvidos! Quem o elegeu, ajudou a findar a Linha 18-Bronze.

  6. Diferente dos outros projetos pelo país para a Copa do Mundo e olimpíadas, este será o único que será terminado e não ficará restrito ao abandono total na construção, como o VLT de Cuiabá, no projeto, como o monotrilho de Manaus e linhas de metrô em Curitiba e Porto Alegre, e de uma selfie, como o TAV. Houve erros de contrato e muitos, muitos impasses jurídicos, mas a linha será terminada graças ao empenho do governo de São Paulo.

    1. Se doze ou treze anos pra terminar uma linha de 8km de montrilho for considerado “empenho”, eu não sei mais o que é desempenho.

  7. A conexão com demais linhas é importantíssima e indiscutível mas o caratér elitista da prioridade ao trecho 2 é gritante. Não atende a população que mais necessita de transporte público (trechos 1 e 3 ) de dá opção demais a quem já tem ( no Campo Belo , com uma simples bicicleta ou uber se chega a linha 5). Ahhh, mas o trecho 1 tem um monte de problemas jurídicos. Priorizasse o 3 então…

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