Os pilares e vigas espalhados pela avenida Roberto Marinho e pela margem do Rio Pinheiros na Zona Sul de São Paulo denotam que existe algo de muito errado nessa obra que está prestes a completar seis anos sem que nenhum trem tenha circulado por ela até hoje. Estamos falando, é claro, do monotrilho da Linha 17-Ouro, projeto lançado na época em que o Brasil andava pasmo com a iminência de sediar a Copa do Mundo da Fifa pela segunda vez.
Criado para ligar a região do Jabaquara e aeroporto de Congonhas ao bairro do Morumbi, o monotrilho entrou para a chamada “Matriz da Copa”, um conjunto de obras que serviriam para dar mais conforto e segurança aos espectadores que fossem assistir aos jogos do torneio. Nesse caso, a Linha 17 serviria como ligação com o estádio do Morumbi, escolhido previamente para ser a sede paulista na Copa de 2014.
Como se sabe, muita coisa mudou nesse caminho, o estádio acabou sendo outro, mas a linha permaneceu por algum tempo como obra da Copa porém como facilitadora do turismo por ter potencial de ligar o aeroporto com a rede hoteleira, por exemplo. Desse plano pouco restou a não ser canteiros abandonados ou trabalhos em ritmo lento que nada lembram as promessas de celeridade que o governo do estado queria fazer crer.
O blog já contou boa parte dessa história anteriormente, recheada de atrasos, problemas, entraves e erros que jogaram a inauguração para o final do ano que vem. É verdade que a obra em si tem evoluído nos últimos meses num ritmo satisfatório desde que as estações e o pátio foram repassados para outros consórcios, mas o principal contrato, que envolve as vias e os sistemas (incluindo o próprio trem) ainda pode render muita dor de cabeça e atrasos.
A razão é que corre na Justiça de São Paulo um processo de pedido de rescisão por parte de duas das sócias do consórcio Monotrilho Integração, responsável por esse contrato principal. São elas a Andrade Gutierrez e a CR Almeida que se associaram à empresa brasileira MPE e à fabricantes Scomi, da Malásia, dona do monotrilho. Além desse projeto, as duas construtoras também venceram as licitações para construção de quatro das oito estações da primeira fase e também o pátio de manutenção, peça chave para que a linha entre em operação.
No entanto, em todos esses contratos, a dupla de construtoras acabou atrasando os trabalhos ou abandonando canteiros. Tanto assim que o Metrô repassou as obras das estações e do pátio para outros grupos. Restou, no entanto, o contrato principal, que previa não apenas o trecho por onde hoje se veem inúmeras vigas, mas também outras duas fases, a que levaria o monotrilho até o Jabaquara e a que irá conectar o ramal à linha 4-Amarela na região da avenida Francisco Morato.
Desde o final de 2015, no entanto, as duas construtoras resolveram pedir a rescisão do contrato sob alegação de vultosos prejuízos com os atrasos, imprevistos e cancelamentos que surgiram na obra. Pedem como ressarcimento ao Metrô pouco mais de R$ 200 milhões alegando sobretudo um desequilíbrio econômico-financeiro causado pela suspensão dos trechos 2 e 3 da linha que hoje não têm previsão de execução.
As duas empresas enumeram diversos problemas com o Metrô seja por conta do atraso de desapropriações, recebimento de licenças ambientais, mudanças no projeto e interferências não previstas além de mudanças nos métodos de construção. Com isso, desejam não só serem ressarcidas mas abandonar o contrato de maneira isolada afinal a Scomi discordou da ação por manter interesse em seguir no projeto.
O site teve acesso ao processo e conferiu a resposta do Metrô enviada em agosto do ano passado. Nela, a empresa ligada ao governo do estado, buscou derrubar todas as alegações da Andrade Gutierrez e CR Almeida começando pelo fato de o consórcio não ter direito a rescisão por não existir concordância entre seus sócios quanto a isso. Segundo a legislação vigente, as quatro sócias deveriam resolver isso internamente (por um processo arbitral) antes de entrar com alguma ação na Justiça afinal o contrato não pode ser rescindido apenas parcialmente (na parte civil).
O Metrô também se eximiu de culpa quanto aos imprevistos ressaltando que as duas empresas são experientes e tiveram acesso a documentos e informações que indicavam possíveis interferências no projeto além de não existir cláusula que garantia a execução de todos os trechos. O governo ainda lembrou que o consórcio recebeu cerca de R$ 90 milhões em aditivos nesse período sem ter reclamado de desequilíbrio no contrato até então.
Para o companhia, as duas construtoras não demonstraram interesse em executar a obra e que os atrasos foram causados por isso e não por problemas que surgiram no decorrer do projeto como trechos que demoraram a ser desapropriados ou interferências como uma rede de alta tensão na região da Marginal Pinheiros. Segundo ela, as construtoras não tiveram motivos para gastar um centavo com as fases 2 e 3 enquanto não havia sido emitida a ordem de serviço, documento no qual são calculados os prazos de entrega. Como não houve emissão não havia razão para as empresas mobilizassem recursos para essas obras.
O Metrô vai além e faz duras acusações contra as duas empresas: “O fato é que as demandantes (construtoras) utilizam critérios distintos para justificar suas inúmeras tentativas de se locupletarem as custas do erário público, utilizando aquele que lhe for mais convenientes para cada momento, deixando de lado a boa-fé contratual que se espera das partes contratantes”, diz trecho da defesa a qual o blog teve acesso.
Gestão caótica
A resposta da Andrade Gutierrez e da CR Almeida foi enviada à juíza Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira em outubro do ano passado. Nela, as duas construtoras lembraram que a Scomi teria acordado em que elas entrassem na Justiça desde que isso não causasse prejuízo às partes de responsabilidade da empresa malaia.
Na visão das duas empresas, a “gestão caótica” do Metrô é a principal causa pelo insucesso do projeto, fazendo questão de lembrar que o contrato previa entrega em 24 meses que foram prorrogados por cerca de dois anos e que mesmo após seis anos ela ainda está com “50% dos trabalhos realizados”.
As duas construtoras também garantem que o Metrô sabia que elas iriam abrir frentes em todos os quase 18 km da linha, segundo documentos anexados ao processo. Também lembra que a estrutura criada para confeccionar as vigas-trilho e outros elementos como capitéis foram investimentos para toda a obra e não apenas para o trecho prioritário. Em vários trechos tenta provar que teve sim prejuízos com os imprevistos como o caso da ciclovia da marginal em que foi preciso esperar para que um trajeto alternativo fosse criado na outra margem por exigência do Ministério Público. Nesse caso, de acordo com elas, foram 67 dias de paralisação das obras.
Argumentaram também que a retirada da estação Morumbi do escopo original e a mudança do projeto causaram atrasos e indefinições quanto às dimensões das vigas que seriam fabricadas para aquele trecho, a mesma situação em relação ao pátio. Além disso, justificou a falta de lançamentos de vigas no trecho da Marginal por conta da ausência da estação que não permitiria um trabalho seguro.
As duas partes do processo também discordam quanto ao processo de liberação das obras por meio de licenças ambientais: do lado do Metrô, o argumento é que o consórcio poderia ter trabalhado em outras frentes enquanto este respondeu que isso seria impossível sem a LAI, licença ambiental. Por fim, Andrade Gutierrez e CR Almeida explicaram que os aditivos não foram correções dos projetos e sim novos serviços contratados pelo Metrô.
Capital público
O que mais surpreende em todo esse imbróglio jurídico é que, mesmo brigando na Justiça, Metrô e construtoras encontraram espaço para negociar um acordo de rescisão. Nele, o Metrô concordou em pagar um valor de cerca de R$ 64 milhões como recomposição do equilíbrio econômico financeiro entre outros serviços extras além de retirar do escopo as fases 2 e 3. Ainda assim, o acordo permitiria que o consórcio continuasse a processar o Metrô numa ação de cerca de R$ 163 milhões, isso tudo com a anuência do Ministério Público, que intermediou a negociação.
Foi nesse momento que a juíza Carmem Cristina tomou uma decisão que mudou completamente o roteiro do caso. Para ela, o acordo poderia causar prejuízos imensos aos cofres públicos por ser o Metrô “parte da administração indireta do Estado, é constituído também por capital público e recebe consideráveis aportes do erário estadual”. Portanto, seria preciso que houvesse alguma perícia judicial que comprovasse os alegados prejuízos reclamados pelas construtoras. A decisão, divulgada em novembro passado, obrigou as duas partes a custear o serviço de um perito para averiguar os valores reclamados por ambas. Enquanto isso, a determinação foi para que o consórcio seguisse trabalhando, algo que tem sido feito em doses “homeopáticas”.
O episódio mais recente dessa disputa ocorreu nas últimas semanas quando as duas construtoras enviaram à Justiça uma planilha em que constam os trabalhos realizados entre outubro de 2016 e janeiro deste ano. São cerca de R$ 30 milhões executados entre obras civis, projetos e outros serviços de um total de R$ 85 milhões acordados com o Metrô. No dia 16 de março, decisão da juíza negava a possibilidade de testemunhos pessoais por alegar que a questão é meramente técnica e complexa. Agora, o processo segue para a reta final em que serão averiguadas se existe mesmo desequilíbrio econômico financeiro e quem deve o que e quanto para quem.
Fato é que até aqui o processo movido por Andrade Gutierrez e CR Almeida acabou causando mais problemas para todos os envolvidos. Elas continuam ligadas ao projeto enquanto a Scomi passou a cuidar de serviços que originalmente não faziam parte do seu escopo como a instalação de sistemas. Já os demais consórcios precisarão de vigas para os pátios e algumas estações enquanto o Metrô corre para tentar entregar a linha até o final do ano que vem sob pena de o governo pagar uma compensação financeira para a Via Mobilidade, concessionária que operará a Linha 17-Ouro e conta com ela para gerar receita.
Como a operação plena dos cerca de 8 km de vias e oito estações depende do trecho da Marginal, o mais atrasado, sem que o consórcio Monotrilho Integração conclua sua parte ficará quase impossível para o monotrilho funcionar de acordo com os planos originais. Como diz uma piada recorrente nas redes sociais, o monotrilho pode ficar pronto apenas na Copa, mas de 2022.
Consultadas, a Companhia do Metropolitano de São Paulo não enviou resposta até esta data e a Andrade Gutierrez preferiu não comentar.
Veja também: Monotrilho da linha 15-Prata será leiloado em junho
É nisso que dá morar em São Paulo, a cidade mais cobiçada do Brasil.
Excelente texto.
Agora aguardar a decisão da juíza e que ela decida pensando na população e no erário público
Parabéns pela iniciativa, independente de preferências politicas e ideológicas, a população precisa ser informada sobre mobilidade, continue nos trilhos da boa notícia!
Com o término da linha 5 , poderemos ver já o início da extensão da linha 2 verde?
Olá, Felipe, creio que a decisão sobre a continuidade da extensão da Linha 2 só seja tomada pelo próximo governador. Atualmente a gestão Alckmin pensa em transformar o trecho em uma PPP por conta da falta de recursos e porque a licitação em curso já está bastante desatualizada. Mas certamente a próxima gestão terá de se debruçar sobre as linhas 2, 6 e 18 para tentar tirá-las do papel já que são as mais “adiantadas”.
assim espero como morador da sofrida zona leste….a linha 3 vermelha é a mais lotada do planeta terra e só anda porque os funcionários devem tocar um dobrado!!!
mais atrasos??? que pena que com todo o dinheiro que arrecada todo o dia com o aperto e desconforto que nós cidadãos enfrentamos o Governo não consiga bancar a construção … que lástima!