Nos seis primeiros meses de sua gestão, o governador João Doria (PSDB) já deixou claro que tem pressa em se tratando de transporte sobre trilhos. Sua maneira de gerir os projetos “atropelando” alguns processos burocráticos que em outros governos eram tabus tem ficado cada vez mais clara nos últimos tempos. A estratégia gera bons resultados, mas também algumas atitudes temerárias como parece ser sua mais nova empreitada.
Enquanto negocia com o governo federal e a concessionária de carga Rumo as condições para implantar a primeira linha do Trem Intercidades entre São Paulo e Campinas, Doria e sua equipe resolveram ressuscitar a ligação entre a capital paulista e a Baixada Paulista com passageiros. Duas viagens experimentais foram realizadas nos últimos dias com uma composição formada por uma locomotiva a diesel e vagões do chamado Expresso Turístico, serviço que a CPTM opera aos fins de semana para destinos como Paranapiacaba.
Sem fornecer detalhes precisos sobre as viagens, o governo deu margem à várias interpretações, embora tenha admitido que se tratava apenas de um reconhecimento das vias para fomentar os estudos do trem regional. No entanto, outras vozes acabaram confundindo mais o assunto como o deputado estadual Professor Kenny que afirmou nas redes sociais que o Doria iria estrear um serviço turístico entre as cidades e que faria parte do TIC ainda em 2019. Até mesmo estimativa de preço da passagem foi revelada pelo político que colocou a empresa EMTU como operadora do serviço – até onde se sabe, ela tem outras funções.
Nessa segunda-feira (1), no entanto, João Doria confirmou via Twitter que sim haverá um Expresso Turístico entre São Paulo e Santos “num primeiro momento” acrescentando pouco depois que “gradativamente, faremos com que modais alternativos de transporte sejam cada vez mais utilizados nos deslocamentos pelo Estado”.
Parece uma notícia boa, mas que não responde uma série de questões sobre voltar a colocar trens de passageiros nesse trecho.
Cremalheira
De todos os percursos estudados pelo governo do estado desde o início da década, o trecho até Santos é de longe o mais complexo. A diferença de altitude entre São Paulo e o litoral, de cerca de 760 metros, é um enorme empecilho para implantar uma ligação férrea veloz e eficiente no trecho. Para subir e descer a Serra usa-se desde 1970 o sistema de cremalheira, uma espécie de terceiro trilho dentado que consegue fazer com que as composições circulem por inclinações maiores que as permitidas em trilhos comuns.
Operada pela concessionária de carga MRS, a cremalheira da Serra do Mar tem cerca de 10 km e conta com locomotivas alemãs movidas a eletricidade e que fazem o deslocamento das composições no trecho em cerca de 30 minutos. O problema é que a cremalheira opera apenas em via singela, ou seja, só é possível fazer uma viagem por vez.
Na segunda viagem de teste, acompanharam o trem o vice-governador Rodrigo Garcia e o secretário dos Transportes Metropolitanos Alexandre Baldy que afirmou que o tempo de deslocamento foi de cerca de 2 horas. Hoje o caminho até o centro de Santos tem aproximadamente 77 km, sendo 22 km na baixada, 10 na cremalheira, 10 entre Paranapiacaba e Rio Grande da Serra e 35 usados hoje pela Linha 10-Turquesa até a estação Brás.
Parece um tempo de viagem bastante otimista, ainda mais que circulam muitos trens de carga na região e nem sempre é possível seguir viagem sem algum tipo de espera. De quebra, ainda será preciso construir uma estação em Santos já que a histórica Valongo foi transformada em sede da secretaria de turismo da cidade e já não possui vias até lá.
Entre a cruz e a espada
De fato, criar um serviço turístico até Santos pode se transformar na rota mais procurada pelo público diante da beleza da descida da Serra do Mar. Partidas aos fins de semana são possíveis sem que isso afete grandemente a operação de carga, mas qualquer coisa além disso é propaganda enganosa.
Se quiser de fato criar um serviço comercial entre a capital paulista e Santos, a gestão Doria não poderá ficar apenas no campo das improvisações. Para ser viável economicamente – afinal, tudo que o governador anuncia será feito com a ajuda da iniciativa privada -, o trem regional precisa de velocidade e preço acessível. Somente assim ele será capaz de tirar passageiros de automóveis e ônibus que viajam pelas rodovias Anchieta e Imigrantes. A questão é que com a infraestrutura existente hoje isso é impossível.
A solução, até onde se sabe, ainda não foi encontrada. Os primeiros estudos da gestão Alckmin falavam até de um enorme e complexo túnel que iria da região do ABC Paulista até Cubatão, mas sua execução é algo caro e demorado. Sobraria então criar um novo caminho ou via para aumentar a capacidade do trecho de Serra, mas será mesmo que uma cremalheira seria solução para os trens de passageiros?
Ao contrário do que afirmou o vice-governador Rodrigo Garcia, o melhor projeto é aquele que sai do papel bem planejado, seja rápido ou demorado.
Mais uma daquelas promessas que só acredito vendo.
A utilização do sistema de cremalheira irá esbarrar em inúmeros empecilhos caso o serviço seja criado para ter uma regularidade, ao contrário do trem de passageiros, o qual ocorreria em dias e horários bem específicos, permitindo um completo planejamento entre a MRS e o Governo do Estado. Deve ser lembrado que uma das contrapartidas para a renovação da concessão antecipada da MRS é a construção do Trecho Norte do Ferroanel, com o qual a empresa espera aumentar sua capacidade de escoar mercadorias, visto que iria retirar boa parte dos seus trens dos trechos compartilhados com a CPTM. Deve ser lembrado que a MRS tem grande interesse na realização desta obra pelo fato de que a partir do momento em que necessita operar em linhas onde há o compartilhamento, ela necessita dividir suas composições, de forma a evitar que elas ocasionem atrasos no deslocamento de passageiros, sendo que há relatos de trens que precisam ser fracionados em 4 composições. Não teria receio em apostar que a MRS iria dificultar essa operação, ainda mais se levarmos em consideração que a empresa possui planos de aumento da capacidade de escoamento. Deve sempre ser lembrado que por lei as composições de passageiro possuem preferência sobre as composições de carga, sendo que no caso de uma via única, como ocorre no sistema de cremalheira, isso fará com que ocorra enormes prejuízos ao transporte de cargas. Para complementar essa situação de expansão do transporte de cargas, há um projeto (polêmico) de construção de um enorme complexo multimodal em Paranapiacaba, de forma a integrar o sistema rodoviário e ferroviário, o qual terá o tamanho de 330 mil metros quadrados, demonstrando que demandaria uma utilização o modal ferroviário em patamares muito superiores aos que temos atualmente.
Outro grande problema que eu vejo diz respeito ao tempo se comparado com o gasto por veículos em geral (desde carro até ônibus de linhas de viagem regulares). Uma viagem partindo da Rodoviária do Jabaquara, a qual fica ao lado da Estação de Metrô que leva o mesmo nome, utilizando o sistema de ônibus, faz com que seu passageiro leve cerca de 1h/1:30 para chegar em Santos. Mantido esse tempo que foi dado pelo transporte via ferrovia, não haveria uma vantagem que justificasse a sua operação, ainda mais se levarmos em consideração que mesmo com a inexistência de problemas como ocorrem no transporte rodoviário pelo Sistema Anchieta-Imigrantes (acidentes, neblina, trânsito), voltamos ao problema que apontei no tópico antecedente, qual seja, a necessidade de compartilhamento com os trens de carga. O sistema, ao meu ver e num primeiro momento, não demonstra ser eficiente o bastante para justificar a sua utilização em detrimento do sistema rodoviário.
Ao meu ver, no pouco que analisei sobre o tema, realmente a única forma de tornar viável mesmo e com menor impacto ambiental seria por meio de via segregação dos sistemas, por meio desse túnel que poderia ligar até a Baixada Santista. Creio que a utilização do Aeroporto do Guarujá para recebimento de vôos comerciais pode ser um incentivo para a construção desse modal, mas fato é que seria muito, mas muito dinheiro necessário para a sua construção. Ressalvadas as devidas proporções mas seria uma obra a semelhança do Túnel do Canal da Macha, que liga a França a Grã-Bretanha.
Mas como dito, que seja tomada a melhor decisão, mesmo que seja a mais demorada.
Venho retificar o que eu falei no início, onde na verdade onde se lê que não teremos problemas com os trens de passageiros, deve ser lido o TREM TURÍSTICO, o qual terá partidas muito mais esporádicas, permitindo um arranjo entre as empresas para a sua operação.
Não precisamos de trem de turismo! O que a baixada santista precisa e de um trem para levar trabalhadores para SP e desafogar Anchieta e Imigrantes com ônibus fretados! Agora se o Sr e sua equipe tem outros interesses que não seja dos trabalhadores aí são outros quinhentos…