Ferrovia Amador Bueno-Mairinque: o que fazer com ela?

Colaborador do site propõe uma solução para o trecho de 27 km de trilhos que hoje está abandonado
Trecho da ferrovia entre Amadoir Bueno e Mairinque está inoperante desde 2014 (Rodrigo Alves de Paula)

A Linha 8 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) é uma das mais movimentadas da rede de trens urbanos da Grande São Paulo: diariamente, são transportados cerca de 430 mil passageiros por dia em seus 42 km de vias que ligam as estações de Júlio Prestes (São Paulo) e Amador Bueno, nos limites da região metropolitana da capital paulista; ela também está incluída no pacote de concessões de algumas linhas da CPTM para a iniciativa privada, cujo edital estará disponível brevemente para apreciação dos interessados.

No entanto, a oeste da estação de Amador Bueno, a CPTM é responsável também por um trecho de 27 km que se estende até o município de Mairinque, localizado no interior de São Paulo, e que se encontra inoperante desde 2014, quando a extinta América Latina Logística (ALL) encerrou o transporte de areia e madeira compensada do interior paulista para as regiões de Carapicuíba e Osasco.

Antes da grande reforma que deu origem ao atual sistema de trens urbanos na área oeste da Grande São Paulo, nos anos 1970, os serviços suburbanos das antigas Sorocabana e Fepasa ligavam São Paulo à Mairinque, tendo a cidade de São Roque como ponto terminal de alguns trens. Nos anos 1980, o trem entre Itapevi e Mairinque passou a operar de forma independente dos demais serviços, recebendo o apelido de “Mairinquinho” e transportando cerca de 1500 passageiros/dia; o “Mairinquinho” foi desativado em 1998, antes da extinção da Fepasa dentro do programa de concessões das ferrovias brasileiras.

Muito se debate sobre a extensão da Linha 8 da CPTM até São Roque e Mairinque. Porém, tal ideia de uma extensão operacional se mostra totalmente inviável devido aos seguintes fatores:

– Demanda prevista de transporte relativamente baixa para o transporte ferroviário, o que já inviabilizaria por si o projeto. Para comparação, o “Mairinquinho” tinha demanda 90% menor que a do trem Itapevi — Júlio Prestes e toda a região de São Roque (formada por cinco municípios) apresenta população total inferior à do município de Itapevi;

– Necessidade de investimentos em transporte de massa em outras regiões da Grande São Paulo, cuja demanda reprimida é muito superior;

– Risco de expansão descontrolada da mancha urbana da Grande São Paulo, afetando as florestas da serra de São Roque, podendo até comprometer o turismo local;

– Previsão de construção de uma nova linha de trem regional de média-alta velocidade ligando São Paulo a Sorocaba, com parada em São Roque e um traçado totalmente novo, o que canalizará a demanda regional diária para a Pauliceia.

Sem receber trens desde 2014, o trecho Amador Bueno — Mairinque encontra-se coberto de vegetação, o que se torna um fator de degradação urbana e risco para a população dos bairros cortados pela linha férrea.

Proposta de corredor de ônibus regional

Com curvas de raio de 240 metros, rampa de 2% e ausência de uma via exclusiva para os trens cargueiros a partir de Itapevi, a linha se mostra inadequada para o transporte ferroviário moderno de cargas. Diferentemente dos tempos da Fepasa, cujo intervalo entre os trens urbanos era bem maior, atualmente não há mais espaço para o tráfego de composições de carga nos trilhos da L8 durante o dia e a ausência de um grande terminal intermodal de cargas na região de Osasco é um fator adicional que inviabiliza a logística ferroviária a curto prazo.

O uso do trecho entre Amador Bueno e Mairinque unicamente para um serviço turístico até São Roque esbarra nos custos de reconstrução da via permanente, cujos valores não ficariam inferiores a R$ 50 milhões; além disso, a manutenção de uma linha com mais de 20 Km de extensão e exclusiva para a operação de trens turísticos aos fins de semana se mostraria algo desaconselhável diante da conjuntura econômica do Brasil atual.

Logo, uma opção para que o leito ferroviário além-Amador Bueno possa voltar a fazer parte do dia-a-dia da população local e ser um indutor de renovação urbana e conexão regional por meio da mobilidade eficiente seria a sua conversão em uma pista exclusiva para ônibus regional.

A conversão de ferrovias abandonadas em pistas de ônibus não é uma novidade: tal medida foi adotada recentemente no Japão em linhas ferroviárias cujos custos operacionais dos trens tornaram-se insustentáveis e nos trechos destruídos pelo terremoto seguido de tsunami que atingiu a região de Tohoku em Março de 2011. Já em Portugal, encontra-se em elaboração um projeto de conversão da antiga Linha do Lousã, próxima à Coimbra, em um corredor regional de ônibus elétricos denominado Sistema de Mobilidade do Mondego — Metrobus, substituindo o antigo projeto do Metrô Mondego.

O corredor regional de ônibus ligaria a estação de Amador Bueno até o antigo apeadeiro (parada) da Vila Amaral, dentro da área urbana de São Roque, numa extensão de 21 Km; de lá, os veículos utilizariam o sistema viário existente para alcançar o ponto terminal no centro da Terra do Vinho, que seria construído próximo à Praça da Matriz. Na outra ponta da linha, alguns serviços seriam estendidos para locais como Itapevi, Jandira, Alphaville e Barueri, utilizando o corredor Itapevi — Butantã da EMTU, em processo de finalização das obras.

O material rodante seria formado por uma frota de 20 ônibus urbanos ecológicos, podendo ser elétricos ou movidos a gás natural, operando as seguintes linhas propostas:

001 — São Roque (Centro)/Itapevi (Estação Amador Bueno)

002 — São Roque (Mailasqui)/Carapicuíba (Terminal Metropolitano)

003 — São Roque (São João Novo)/Santana de Parnaíba (Burle Marx) — extensão da atual linha 313 da EMTU

A linha 001 só seria viabilizada com a implantação de trens diretos da CPTM entre as estações de Júlio Prestes e Amador Bueno, dispensando a onerosa baldeação em Itapevi.

As antigas estações de Gabriel Piza, Mailasqui e São João Novo, bem como os apeadeiros existentes (Vila Amaral, km 50 e km 46), seriam reformadas para serem paradas dos ônibus, recebendo totens de identificação, assentos, mapas padrão do sistema metropolitano sobre trilhos de São Paulo e até mesmo máquinas de recarga do cartão BOM.

Somente ônibus seriam autorizados a trafegar no corredor. O acesso por demais veículos seria evitado por meio de barreiras automáticas e dispositivos que impeçam a entrada de automóveis e motocicletas à pista exclusiva.

A demanda prevista para os serviços de ônibus entre São Roque e Itapevi pelo novo corredor faria em torno de 10–15 mil passageiros por dia, incluindo a demanda reprimida que seria oriunda de pessoas que hoje se deslocam de automóvel e moto.

Considerando que o trecho entre Amador e Mairinque poderá não ser incluído no edital de concessão da Linha 8, uma opção seria criar uma PPP, na qual a CPTM, a EMTU e as prefeituras locais entrariam com as obras pesadas de infra-estrutura (asfaltamento e adequação viária) e o consórcio privado ficaria responsável pela instalação dos equipamentos de operação e sinalização, manutenção e operação do sistema, bem como a aquisição dos veículos e até a exploração de terrenos das estações para empreendimentos imobiliários. O prazo de concessão poderia ser igual ou superior a 20 anos, visando a recuperação do investimento realizado. Os valores estimados para o projeto seriam de aproximadamente R$ 55–60 milhões.

O trecho entre São Roque e Mairinque seria reformado para a operação do futuro trem turístico local, a ser operado pela prefeitura são-roquense. Já o transporte ferroviário de cargas acessaria a Grande São Paulo passando por Campinas e Jundiaí, utilizando a futura segregação a ser implantada junto com o futuro trem regional São Paulo — Campinas.

A construção de um corredor de ônibus no antigo leito ferroviário entre Amador Bueno e Mairinque traria diversos benefícios para toda a comunidade regional, incluindo maior oferta de transporte confiável e rápido, revitalização da chamada “orla ferroviária” e a valorização de imóveis localizados no entorno das antigas estações. Eis uma opção a considerar para a melhoria da mobilidade regional e das próprias localidades das áreas limítrofes à área oeste da Região Metropolitana de São Paulo.

Futuro trem turístico de São Roque (Rodrigo Alves de Paula)

Nota do editor: a opinião do autor não reflete necessariamente o posicionamento do site sobre assunto.

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13 comments
  1. Me lembrou de uma cidade no interior do Brasil que criou um ônibus que podia andar também sobre trilhos e eles podiam trafegar sobre uma estrada de ferro abandonada.

    1. É algo a ser considerado, desde que usem modelos diesel baratos como os da Bom Sinal e Marcopolo ( que entrou no ramo ferroviário)

    2. Um VLT realmente seria a melhor opção pro trecho, acredito que os custos para sua implantação seriam menores do que destruir toda a via ferrea e tacas asfalto por cima

    3. Não tem demanda para transporte sobre trilhos ali. Os custos de operação e manutenção seriam inviáveis e forçariam o estado a tirar recurso das linhas com demanda para manter um trecho sem demanda.

      1. Um vlt tem basicamente a mesma capacidade de um ônibus e ele n necessariamente precisa ter uma fonte de alimentação direta.
        Essa é so uma ideia de aproveitar a estrutura q ja existe, mesmo q quase n exista.

      2. Ivo,

        Sobre o outro post (cuja seção de comentários já está fechada), por favor, não se faça de ignorante.

        Eu não falei nada de colocar como padrão atual 4 pessoas por metro quadrado em horário de pico.
        Falei sim que o ideal no Brasil (levando em conta, em média, os “padrões” atuais da população em geral) deveria/poderia ser de no máximo até 5 (cinco) por metro quadrado em linhas metroferroviárias (quem sabe um dia mais para o futuro). O Metrô mesmo chega a oferecer, em determinada(s) linha(s) (como na 1-Azul), em pleno pico, oferta teoricamente superior à demanda (levando em conta o padrão de 6 por metro quadrado) sempre que há essa possibilidade.
        E não falei, mas acrescento: em ônibus poderia/deveria ser menos de 4 por metro quadrado, pois é um transporte, em geral, bem menos confortável e bem mais instável (em vias esburacadas então…) do que o sobre trilhos. Mas enfim…

        Ter alto/altíssimo carregamento NÃO é garantia para uma linha não dar prejuízo (ou ser lucrativa até), pois é a “pendularidade” (característica intrínseca) de cada linha que conta mais. Tem linha que pode ser lucrativa com 4/metro quadrado, e tem linha que pode levar 8/metro quadrado que vai continuar dando prejuízo. Isso numa análise bem simplória “economicista”, pois se for analisar o todo, veremos o quanto economizamos e investimos em vários aspectos, associados à qualidade de vida como um todo, quando há investimentos em meios de transporte coletivo mais eficientes e de qualidade.

        O maior exemplo no Metrô que temos são as linhas 1 e 3, que têm extensões equivalentes e transportam praticamente a mesma quantidade de passageiros por dia útil (a L1 ganha com certa folga até em passageiros por km de linha), mas com carregamentos máximos (de passageiros/hora/sentido) atuais bem diferentes: 55-56 mil (L3) e 39-40 mil (L1), ambos no pico da manhã (no pico da tarde esses números são menores, acredite!).

        Mas não podemos nos esquecer da função social do transporte (uma das principais). ALGO QUE TEM MUITO A VER COM O ASSUNTO DESTE POST. Se não fosse por ela, a CPTM fecharia a maior parte de suas linhas e extensões operacionais.
        Sem contar a imagem das Companhias e a qualidade do serviço. Caso contrário, o Metrô ofereceria intervalos mínimos entre 5 e 10 min entre 10h e 16h, a fim de se tornar mais lucrativo, já que na sua visão sempre tem que superlotar e muito!

        Enfim, quanto a todos os dados mencionados no meu outro comentário (https://www.metrocptm.com.br/metro-autoriza-obras-para-reduzir-intervalo-entre-trens-na-linha-15-prata/#comment-6324), fique à vontade para consultar e checar pelo SIC. Ou você tem medo de descobrir que todos eles estão certos?
        No caso, os dados que mencionei de capacidade dos trens são para 6 pessoas/metro quadrado (que é o padrão atual de lotação máxima utilizada pelo Metrô, pela CPTM, pela STM/SP, etc.). Para 4 por metro quadrado (padrão de oferta, não exatamente de lotação, adotado pelo Metrô SP aos sábados, domingos e feriados), essas capacidades são bem menores do que as que eu mencionei. Para levar em torno de 2 mil pessoas em um trem de metrô (com 6 carros e cerca de 130m de comprimento total), só em condições de 8 pessoas por metro quadrado, até porque 2 mil (com o padrão de 6 por metro quadrado) é a capacidade máxima aproximada, em média, de um trem novo da CPTM (com 8 carros e cerca de 170m de comprimento total).

        6 por metrô quadrado não é exatamente um padrão internacional. É utilizado na Ásia, nos países emergentes (como o nosso)… mas na Europa, por exemplo, dificilmente utilizam um padrão alto assim de lotação. O problema nem é exatamente a lotação em si, mas sim quanto tempo ela dura em níveis elevados. Se 1 ou 2 estações (tipo Paraíso-Brigadeiro), sem problemas! O que não é viável é viajar a maior parte do trajeto com no mínimo 6 por metro quadrado.

        Seja como for, 8 por metro quadrado não é padrão adotado em operação nenhuma, tampouco em projeto nenhum! Quando opera com mais de 6, é porque está saturado e se busca como meta atingir o máximo de 6.

        Se com 8 fosse normal, então nem precisaria desafogar a Linha 3 do Metrô, até porque os dados mostram que ela carrega no pico da manhã (levando-se em conta o intervalo programado de 119s) em média pouco mais de 7 pessoas em um metro quadrado, ou seja, nem chega a 8.
        Contudo, precisa falar que a referida linha está bem superlotada?
        Do mesmo modo, faz sentido abaixar a lotação de uma linha para no máximo 6 em prejuízo de outra passar a levar mais de 8 (portanto, mais do que a linha que foi desafogava levava antes)?
        No meu entender, sendo sensato, não.

        Enfim… você pode “projetar na sua cabeça” para 8 e achar normal… Mas saiba que esse NÃO é o padrão utilizado por aqui. Não adianta querer enfiar mais gente do que é viável. As plataformas abarrotadas (que não esvaziam, vide Sé) é que dirão o que é factível de se levar ou não.

        E sinceramente (sem querer julgar, mas já meio que julgando), acho que vc é do tipo de pessoa que usa em contrafluxo (ou nem usa), mas quer enfiar 8 pessoas por metro quadrado no sentido contrário (de fluxo), onde vc não vai estar para ser totalmente esmagado.
        Será que estou enganado?
        Pimenta no do outro é refresco, né?
        Agora, se vc quer essa lotação no trem que vc usa, então vc só pode ser masoquista (rs).

        Sem mais e passar bem!

  2. Utopia, os defensores do automóvel irão rapidinho pegar o trecho para fazer rodovia é corredor, bau, bau…..

  3. Como já existe a linha São Roque-Itapevi (Centro), não faz muito sentido existir uma linha até Amador Bueno, a não ser que viesse de Mairinque. Linhas que fazem falta são Mailasqui-Sorocaba e São Roque-Osasco via São João Novo, Itapevi, Barueri etc.

  4. Temos expressos turísticos para Paranapiacaba, Jundiaí e Mogi, seria bem interessante um novo itinerário indo até Mairinque que possui uma estação lindíssima, sei que a bitola é diferente, mas poderia haver uma troca de trens em Amador Bueno para seguir viagem, entre manter os trilhos ou meter asfalto por cima sempre vou preferir a primeira opção.

  5. Ideia excelente e com um embasamento sensacional. Não vejo nenhum ponto em aberto, sendo analisada a questão como um todo.

    Apenas penso que quando da concessão da Linha 08, poderiam incluir este trecho, mas deixando em aberto para quem for administrar a PPP verificar a realização de um projeto que entenda como viável, abrindo a possibilidade para a realização de uma subconcessão.

    No mais, concordo que a demanda para a região não justifica a manutenção dos trilhos. Sendo o futuro traçado do Trem Intercidades com destino a Sorocaba reformulado, não há motivos para a manutenção do trecho. Além do mais, não há demanda para VLT. Vejam como exemplo rápido: VLT Santos possui uma demanda estimada de 70 mil passageiros por dia. VLT Rio possui demanda estimada de 100 mil passageiros. Não se chega nem um pouco próximo a tais números, de forma que a utilização de ônibus é a medida mais rentável a quem ficar responsável por uma concessão nesses moldes.

    Talvez a única questão que precisaria ser melhor analisada seria a demanda reprimida e que poderia migrar para esse novo sistema. Este é que seria, muito provavelmente, o atrativo para uma concessão. Senão, uma obra dessas somente será viabilizada por vontade do Estado.

    Mais uma vez parabéns pelo excelente levantamento e pela ótima avaliação do cenário!

  6. O problema do Brasil quando se pensa em mobilidade urbana, que chega a ser cômico, é ter olhos apenas no hoje e no agora. Ferrovia é catalisadora de desenvolvimento e foi por ela que boa parte das cidades paulistas cresceram quando não antes não tinha nada. Porque a mata de São Roque corre risco apenas com ferrovia e não com corredor de ônibus, rodovia, ou VLT? Por acaso se não houver politicas publicas de ocupação de solo não irão sofrer o mesmo impacto? (vide Rodoanel)
    Ninguém defende que recursos do governo sejam colocados ali. Mas já que as linhas 8 e 9 serão alvo de uma inevitável concessão, que se ponha no contrato cláusulas que obriguem a futura concessionária a remodelação do trecho Amador Bueno-Mairinque, com reconstrução de estações, via permanente e sistemas de energia, manutenções, e aquisição de novo material rodante.
    E que as prefeituras assumam sua responsabilidade de cuidar daquilo que são obrigadas por lei: ocupação do solo e plano-diretor, ao invés de ficarem protestando e interferindo em obras de interesse coletivo dada sua incompetência de gestão.

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