Judicialização excessiva tem atrasado diversos projetos do Metrô

Processos movidos por empresas se arrastam na Justiça questionando decisões administrativas da companhia e tornando ineptos seus contratos e regras
Portas de plataforma na Linha 2 (GESP)
Portas de plataforma na Linha 2 (GESP)

O enredo não surpreende: “empresa que perdeu a concorrência em licitação recorre ao Metrô acusando a vencedora de não cumprir os requisitos do edital. Após ver seus argumentos não acolhidos, decide entrar na Justiça para impedir que a rival assuma o projeto. E mesmo após ter seu pedido negado por um juiz recorre à 2ª instância travando a execução do contrato”. Vários casos seguem à risca esse roteiro descrito acima atualmente, o mais recente deles envolvendo a instalação das portas de plataformas (PSD) em estações das linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha, a cargo do Consórcio Kobra, que assinou contrato com o Metrô há um ano.

Desde então, os dois consórcios derrotados, Telar (Telar/Serveng/Dongwoo) e PSD-SP, tentam barrar a execução do serviço, que prevê a instalação do equipamento de segurança em 88 fachadas de plataforma. Nesta semana, a juíza Paula Cometti concedeu um mandado de segurança para interromper os trabalhos. Entre os motivos alegados estão a falta de comprovação de patrimônio líquido enquanto o consórcio PSD, desclassificado pelo Metrô, questiona os argumentos da companhia.

Como o site mostrou em junho de 2019, o Consórcio Kobra, formado pelas empresas Samjung Tech, Woori Technologies, a Husk Eletrometalúrgica e pela MG Engenharia, criada poucos meses antes do edital ser lançado e que tinha como sócios dois ex-diretores da construtora OAS, um deles, Francisco Germano Batista da Silva, denunciado pelo Ministério Público na investigação que apura desvios nas obras do Rodoanel Sul, construído na gestão de José Serra (PSDB). Curiosamente, a MG, que até então não tinha executado qualquer serviço, passou a ter como sócio o filho de Francisco, então com 18 anos. Na época, o Metrô não viu qualquer risco nessa situação, apesar de a empresa ter 7,32% de participação no consórcio.

O caso das portas de plataforma chama a atenção pelo fato de existirem três processos questionando o Metrô na Justiça, um sinal de como a judicialização no Brasil tem efeitos nefastos nas obras públicas. Longe de restringir o direito à defesa de quem supostamente foi prejudicado por outro, mas é impossível ignorar que a maior parte desses processos resulta apenas em mais atrasos e custos nos projetos sem que surjam decisões que surtam efeito positivo para a sociedade.

Basta notar quantos projetos importantes estão hoje à espera de decisões na Justiça como no caso das obras civis na Linha 17-Ouro, que tiveram a Constran como vencedora, mas que é questionada pela construtora Coesa desde o ano passado. Mesmo derrotada tanto na esfera administrativa como na 1ª instância, a empresa entrou com recurso para levar o caso para a 2ª instância, que há dois meses aguarda análise do relator indicado.

Linha 17: concessão casada com a Linha 5-Lilás
Obras da Linha 17: consórcio responsável não concluiu serviços e ainda conseguiu impedir sanções do Metrô

Inúmeras interpretações

Causa mais espanto ainda os motivos que levam a esses questionamentos. Muitos deles envolvem certidões ou comprovações subjetivas e que dão margem para diversas interpretações. Não ajuda também o fato de várias dessas empresas criarem filiais e subsidiárias para participar de certames a fim de evitar puniões ou restrições legais da matriz. Mas talvez um dos aspectos mais temerosos dessa judicialização seja a discussão de aspectos técnicos.

Foi esse tipo de dificuldade que fez a disputa entre o Consórcio Monotrilho Integração (Andrade Gutierrez, CR Almeida e Scomi) e o Metrô se estender por anos. Além de questões legais do próprio contrato há também diversas leituras diferentes de serviços executados e medições, algo que um juiz não tem condições de analisar. Daí vem o grande temor, a indicação de um perito para investigar e produzir um laudo técnico independente. E com isso vão-se meses senão anos à espera de um veredito que nem mesmo garante o fim do processo.

Por falar no consórcio que deveria ter construído a Linha 17, ele acaba de conseguir evitar uma multa de R$ 88 milhões e a proibição de seus sócios de participar de licitações no estado de São Paulo. A punição administrativa impetrada pelo Metrô, portanto, foi apenas teatro afinal a empresa não tem poder para isso, já que facilmente é possível questioná-la na Justiça. Claro que o direito de defesa tem de existir, mas e se lá na frente ficar comprovado que o governo agiu de acordo e o consórcio de fato descumpriu o contrato? A hipótese contrária também é valida, o que mostra que falta clareza nas licitações e contratos públicos.

Estação Brooklin
Estação Brooklin da Linha 5: construtoras reconheceram conluio na licitação da expansão do ramal

Essas dúvidas não poderiam levar anos para serem dirimidas ou então produzirem retrocessos quando os projetos já estão em andamento. É preciso encontrar formas de tornar esses processos céleres ou então aumentar a punição em caso de uma condenação após a execução desses contratos. Um exemplo disso ocorreu nas obras de expansão da Linha 5-Lilás cujo resultado da licitação foi antecipado pelo jornal Folha de São Paulo.

Na época, embora tenha sido suspensa por alguns meses, a obra seguiu em frente enquanto se investigava o caso, por conta de uma decisão sensata da Justiça. Mais tarde, parte das empresas acabou confessando conluio nas propostas apresentadas e houve até algum tipo de ressarcimento. Talvez tenha saído barato para essas construtoras, que deveriam ter indenizado o estado em valores mais vultosos, mas maior prejuízo, no entanto, seria que todo o processo foi reiniciado do zero, atrasando ainda mais a implantação do ramal e causando custos incalculáveis para a sociedade.

É de se pensar se não está na hora de redesenhar os editais de obras de forma a ficarem mais padronizados e objetivos e de contar com a participação de outros órgãos como a Procudoria Geral do Estado (que já é acionada), o Tribunal de Contas do Estado e o próprio Tribunal de Justiça para exista um entendimento mais claro das regras de licitações. Com isso, evitaria-se que existissem inúmeras brechas passíveis de serem contestadas posteriormente, e que atraíssem participantes realmente interessados em entregar o serviço para o qual foram contratados.

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