A Justiça de São Paulo publicou nesta terça-feira, 28, decisão a respeito do pedido de liminar interposto pelo consórcio Signalling para impedir que a BYD assine contrato com o Metrô para fornecer os trens e sistemas da Linha 17-Ouro. Escalado para analisar o caso, o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda Pública, rebateu todas as alegações do consórcio e negou a liminar ao concluir pela “ausência de fumaça de bom direito”, uma expressão jurídica utilizada quando inexistem indícios de irregularidades que justitifiquem uma decisão liminar.
Embora tenha oferecido o menor preço para fabricar 14 trens de monotrilho seguindo especificações técnicas da Scomi, fabricante que deveria ter feito o serviço, mas faliu, a Signalling não conseguiu comprovar capacidade financeira e técnica para isso, segundo o Metrô. Não satisfeitas após verem seu recurso administrativo negado, as três empresas que formam o consórcio, a T´Trans, Bom Sinal e Molinari, entraram com um mandado de segurança na semana passada para barrar o processo licitatório que teve a BYD selecionada pelo Metrô.
Numa análise bastante clara da confusa petição da Signalling, o magistrado questionou as alegações ponto a ponto para então indeferir o pedido. Confira os principais trechos da decisão:
Sobre a comprovação de capacidade técnica do Signalling
Segundo o juiz, “era ônus do impetrante, enquanto licitante, fazer prova do cumprimento dos requisitos do edital, tendo o Metrô, ainda e diversamente do sustentado no mandado de segurança, ao que tudo indica, realizado diligências o quanto bastavam para apurar os fatos ao invés de simplesmente declarar a ausência do atendimento do item referido“.
“Deveras, diligência in loco na Malásia era dispensável, porquanto os próprios informes prestados ante as diligências realizadas pelo Metrô já indicaram que o sistema de sinalização fornecido e empregado na obra daquele país asiático (Malásia), objeto do atestado exibido pelo Consórcio impetrante, não foi o CBTC UTO, mas o CBTC ATO GOA2, o que por si implica desatendimento ao edital“, explicou.
O juiz ainda destaca o fato de o Signalling ter tentado quebrar as regras do edital ao fornecer outras supostas comprovações de experiência. “O que estaria o Consórcio impetrante a querer do Metrô não é diligência para sanar dúvida ou suprir dado relevante de atestação exibida no processo licitatório, mas a própria substituição dela por outra, não exibida a tempo e modo devidos, para fim de provar a capacitação técnica“, afirmou.
Sobre a alegada experiência da sócia T´Trans, o juiz Randolfo descaracterizou que o fato de a empresa “possuir ‘vasto conhecimento e experiência no setor metroferroviário’ não é suficiente para comprovação de capacidade técnica“. Por fim, foi descartada por ele a tentativa de incluir a Siemens como parte do consórcio de forma “anômala e intempestiva”.
Sobre a homologação técnica da BYD
O Signalling fez várias críticas à forma como o Metrô analisou e aceitou a comprovação técnica da BYD, incluindo a viagem de dois funcionários à China para vistoria in loco. Para o juiz, não há evidências de irregularidades e ainda observou que o consórcio impetrante da ação não ter comprovado o que julgava certo ser feito.
“O fato de ter o sistema completado 1 ano de funcionamento na véspera da entrega das propostas pelos licitantes não parece sinalizar para qualquer irregularidade, afinal, na data da entrega das propostas, atendia o Consórcio BYD Skyrail ao requisito temporal exigido“, explicou.
“Também não aponta o impetrante qual falha teria o sistema por não ter sido, supostamente, testado por tempo suficiente e, ainda que apontasse falha dessa natureza, em sede de mandado de segurança sequer poderia ser discutida a questão por se tratar de via estreita a não permitir dilação probatória“, acrescentou o juiz que, então completou: “E, ademais, não comprovou o impetrante por quais entidades chinesas teria o sistema de estar validado e não explicou como poderia estar ele em operação havia pouco mais de 1 ano sem o aval das autoridades do país asiático, assim como não fez prova da ausência de regularidade da empresa perante o país onde está instalada. De mais a mais, cuida-se neste ponto de exigência (validação de uso por órgão público) que nem mesmo está expressa no edital“.
Sobre a presença dos funcionários do Metrô na China, o juiz argumento que “foram exibidos documentos para comprovar que realmente ocorreu (processo de aprovação da viagem e tickets utilizados pelos funcionários para o deslocamento até o local da diligência), conforme mencionado na decisão“.
Sobre a suposta “capacidade técnica muito específica” (sistema CBTC com operação sem condutor presencial)
O consórcio derrotado questionou o fato de o edital ser muito específico ao exigir um sistema CBTC UTO (Unattended Train Operation), que dispensa o operador a bordo, como vemos na Linha 4-Amarela. Para o juiz, “entretanto, considerando a complexidade técnica do serviço a ser prestado, a exigência de capacitação específica sinaliza-se, ao que tudo indica, como necessária. Além disso, não explica o impetrante quais as características do sistema CBTC UTO o tornariam demasiado específico para execução e a razão pela qual a comprovação de experiência com sistema outro seria suficiente do ponto de vista técnico“.
O magistrado disse ainda que se o Signalling tivesse explicado as razões pelas quais esse requisito seria dispensável, “haveria elevado risco de esbarrar-se em questão técnica impossível de ser dirimida sem dilação probatória“, quando é preciso que os dois lados produzam provas necessárias para uma decisão.
Falta de isonomia do Metrô
Em várias partes da petição, o Signalling buscou comprovar que o Metrô teve posturas diferentes em relação aos participantes, entre elas o fato de a companhia realizado diligência presencial apenas no caso da BYD.
O juiz Randolfo argumentou que “que as diligências foram determinadas tanto para o Consórcio impetrante como para o Consórcio vencedor, porém lá e cá seu teor se determinou pelo arcabouço específico do acervo documental exibido por cada um deles e consoante os aspectos a serem dirimidos relativamente a cada qual, conforme, aliás, já foi apontado anteriormente. Evidente, então, que as diligências não têm de ser as mesmas e quanto menos se há fazê-las sob o mesmo rigor para aspectos diferenciados de dúvidas e esclarecimentos a serem sanadas e prestados respectivamente“.
Preferência para a indústria nacional
Sobre o clamor da Signalling para que a indústria nacional tivesse preferência na licitação, o magistrado foi enfático: “Não se vislumbra, ainda, ter havido postura de detrimento de empresa nacional para privilegiar empresa estrangeira porque não se pode dar por vitoriosa empresa brasileira apenas em virtude de sua nacionalidade, sendo imprescindível o atendimento aos requisitos legais e editalícios“.
A polêmica sobre a forma de calcular o patrimônio líquido
Um dos pontos mais confusos da disputa, a definição do cálculo do patrimônio líquido, mereceu atenção do juiz que não aceitou os argumentos do Signalling, ao tentar fazer valer sua interpretação das regras, diferente da usada pelo Metrô: “Em que pese o indicado na petição inicial sobre o valor do patrimônio líquido de cada consorciada do impetrante, não explicou ele a razão pela qual seu cálculo deveria prevalecer e não o feito pelo Metrô, que seria então equivocado. Porém, restou esclarecido no Metrô claramente o porquê do cálculo do Consórcio ora impetrante não poder prevalecer, visto simplesmente afrontar o regramento editalício pertinente, como também que este aspecto – forma correta de indicação do valor do patrimônio – não era desconhecido dele”.
Já sobre a aprovação do patrimônio líquido da BYD, “deu-se após terem sido prestados esclarecimentos por esse último por conta de demonstrativos contábeis de uma consorciada quanto à efetivação do aumento do capital social“.
“À primeira vista, não parece ter havido ilegalidade na abertura de possibilidade de a licitante apresentar esclarecimentos sobre a questão, os quais, de per si, não evidenciam favorecimento indevido ao consórcio. Esclarecimentos, de resto, se fazem sobre dúvidas e não quando já há elementos suficientes para decidir conclusivamente. Assim e sob esta ótica inclusive, o impetrante não demonstrou ter sido preterido por ter a ele sido negado o direito de realizar diligências para comprovar o patrimônio líquido exigido. De fato, não fez prova o impetrante de haver solicitado administrativamente a exibição de documentos complementares para a análise do patrimônio líquido“, concluiu.
Falta de transparência
O Signalling acusou o Metrô de omitir decisões sobre a licitação e que teriam prejudicado a sua defesa, porém, mais uma vez o juiz não enxergou qualquer irregularidade.
“A publicidade dos atos administrativos é necessária. Todavia, não necessariamente a ausência das publicações referidas pelo impetrante podem conduzir à invalidação da licitação, pois é preciso ter emconsideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”, escreveu.
“In casu, o impetrante tomou enfim ciência de todas as decisões tomadas pelo Metrô e diligências realizadas por ele e pôde, inclusive, à vista daquelas e destas, interpor recurso administrativo a partir dela, o qual foi julgado e não provido, vindo também desta decisão a tomar ciência, pelo que é certo que não existiu prejuízo algum a ele. Ou seja, não há dúvida razoável de que o impetrante ficou não em ignorância, mas sim ciente dos atos praticados na licitação de que participava, inclusive por ter interposto recursona esfera administrativa“, esclareceu.
Inversão de fases na licitação
O último dos argumentos do Signalling analisados pelo juiz fala da hipótese de o Metrô não ter seguido as fases de uma licitação e invertido a ordem para beneficiar A BYD. No entanto, o juiz Randolfo considerou que “o início do procedimento de análise da documentação apresentada pela segunda colocada (BYD), com maior valor ofertado antes da prolação da decisão sobre a habilitação da primeira colocada, com menor valor ofertado, se deu intempestivamente. Ocorre que descabe falar em inversão de fases, já que (i) houve exame das propostas, (ii) sua classificação, (iii) a inabilitação do Consórcio impetrante e (iv) só depois a análise da habilitação do Consórcio vencedor“.
A decisão
“Todo o exposto é suficiente para constatar pela ausência da fumaça do bom direito, impondo-se, então, seja a liminar indeferida, até porque sua concessão importaria olvidar o edital em pontos específicos sobre a questão da capacitação técnica e do patrimônio líquido, mas é sabido que ‘o edital tem efeito vinculante às partes. Constitui-se no documento fundamental da licitação. É a sua lei interna. Abaixo da legislação pertinente à matéria, é o edital que estabelece as regras específicas de cada licitação. A Administração fica estritamente vinculada às normas e condições nele estabelecidas, das quais não pode se afastar“, afirmou o juiz Randolfo Ferraz de Campos em sua decisão.
Resta saber se o consórcio Signalling aceitará esse resultado ou se voltará a dar entrada em nova ação. O site consultou novamente o advogado Lucas Santo que analisou a decisão. Confira:
“O Mandado de Segurança trata-se de uma ação com um procedimento célere, onde após a apresentação da petição, o juiz irá solicitar informações do Metrô e do Ministério Público. Em geral quem deu entrada na ação buscar reunir rodas as informações para inibir qualquer dúvida. Após tal fase, o juiz já pode proferir a sentença, decidindo se de fato o Metrô não analisou os documentos de acordo com o previsto no Edital e na Lei 13.303/2016 ou se a análise foi feita de forma correta“, explicou.
“O Signalling pode recorrer dessa decisão que não lhe deu a liminar, mas é muito provável que se assim o fizer, não terá sucesso. As chances desse Mandado de Segurança ser contrário ao Metrô são próximas a zero, em minha opinião. A decisão foi, ao meu ver, de um primor técnico pouco visto em muitos casos, com questões ali que dizem muito como o juiz deve decidir ao final deste processo“, acrescentou Santo.
Vamos ver se agora as coisas aceleram.
Acredito que a BYD deve sim ter levado pelos critério estabelecidos, mas acho que o argumento do juiz de que empresa nacional não leva vantagem em licitação, é de se questionar.
Se temos em território nacional uma empresa capaz de produzir os trêns, isso deveria ser considerado, já que vai gerar empregos e arrecadação aqui, e aí perde-se uma grande oportunidade para o desenvolvimento de empresas nacionais.
Seria justificável gastar mais de bilhão de reais em recursos público para gerar não mais do que 100 empregos sazonais de baixa qualificação e nenhuma inovação tecnológica aqui?
desenvolvimento de tecnologia ferroviaria é emprego sazonal de baixa qualificaçao e nenhuma inovaçao tecnologica? fabricaçao de trens gera nao mais que 100 empregos? esse Ivo, sempre defendendo tudo que vem de decisao governamental , deve ter algum cargo comissionado, só pode. nao tem outra explicaçao.
Ivo, acho que por uma diferença muito grande, realmente vale a pena investir no fornecedor estrangeiro, mas se as propostas fossem similares, não vejo por que não favorecer o fornecedor local. Nem estou questionando o resultado da licitação, e sim o argumento do juiz.
A demanda por inovação tecnológica sempre vai existir. Será que os trens da Bombardier, por exemplo, são tão bons assim? Será que não temos engenheiros no Brasil com capacidade de desenvolver um monotrilho de boa qualidade e que atenda as nossas demandas?
Caro, a questão aqui é que a empresa não pode ser privilegiada APENAS por ser nacional. É claro, se as propostas fossem similares e ambas as empresas tivessem demonstrado capacidade técnica nos termos do edital, haveria uma justificativa bastante clara para se escolher a fabricante nacional. No entanto, seja por desconhecimento do edital (incompetência, portanto) ou por não atender os seus requisitos (má-fé ao tentar se passar por capaz, então), o Signalling não tinha como vencer. Sequer havia que se discutir preferência ao nacional.