A situação da licitação de sistemas da Linha 17-Ouro de monotrilho permanece com seu futuro indefinido mesmo após movimentações recentes apontarem para decisões nos dois processos que correm no Tribunal de Justiça de São Paulo. Documentos a que teve acesso o site mostram que a falta de clareza do edital que prevê a fabricação de 14 trens de monotrilho e seus sistemas agregados gera dúvidas e interpretações diversas sem que haja um denominador comum.
Para relembrar, o certame teve como proposta mais barata a feita pelo consórcio Signalling, formado pelas empresas T´Trans, Bom Sinal e Molinari, mas que acabou desclassificada pelo Metrô por questões de patrimônio líquido e aspectos técnicos ao não conseguir comprovar experiência em sistemas de sinalização GoA4, que preveem operação totalmente autônoma. Diante disso, a companhia chamou a BYD, segunda colocada, para averiguar sua proposta e realizou diligências na China para comprovar sua capacidade de fornecer o sistema.
A decisão fez o Signalling entrar com recurso administrativo, não aceito pelo Metrô, e posteriormente com um recurso na primeira instância, cujo juiz Randolfo Ferraz de Campos negou liminar impedindo o seguimento da licitação. Não satisfeitas, as três empresas do consórcio apelaram para a segunda instância com um agravo de instrumento, um recurso para barrar a execução do contrato com a BYD até decisão final e onde obtiveram sucesso.
Com isso, a licitação de sistemas depende do julgamento nas duas esferas da Justiça, uma para averiguar se o Signalling tem ou não razão em seus argumentos (1ª instância) e outra para saber se o contrato com a BYD deve ser mantido suspenso, que será decidido por um colegiado formado pela relatora Silvia Meirelles e outros dois desembargadores. Ambos processos estão na reta final segundo dados obtidos pelo site. Apesar disso, o cenário continua incerto por conta de interpretações variadas.
Na primeira instância, o Metrô se manifestou no dia 21 de agosto pedindo que a Justiça julgue com celeridade o caso por conta dos prejuízos causados à empresa. Em primeiro lugar, a companhia pede ao juiz que corrija o valor da causa apontada pelo Signalling com o montante da proposta, de pouco mais de R$ 1 bilhão e não apenas R$ 100. “Excelência, eventual acolhimento do pedido permitirá às Impetrantes como o proveito demais de UM BILHÃO de reais, sendo absolutamente desarrazoada e sem qualquer fundamento o irrisório valor dado à causa de CEM REAIS“, diz trecho do documento.
O Metrô também alega que o Signalling tenta tumultar o processo ao citar análises técnicas num ambiente jurídico sem comprovar qualquer uma delas. A companhia volta a reforçar que sua interpretação do cálculo do patrimônio líquido é a correta e cita jurisprudência do TCE sobre isso. O Metrô também evidencia que o consórcio não conseguiu comprovar experiência exigida pelo edital já que as supostas clientes da Molinari não confirmaram o que ela alega em sistemas implantados na Malásia. Por fim, a empresa pede celeridade na decisão alegando que os prejuízos trazidos pela pandemia estão reduzindo gravemente a receita do Metrô.
Ministério Público vê indícios de irregularidade
No processo na segunda instância, no entanto, manifestação do Ministério Público embaralhou ainda mais o assunto. Análise da Procuradora Andréa Chiaratii enviada ao TJ em 11 de agosto entendeu que a interpretação de patrimônio público do Metrô “é a mais indicada. Mas repito, um edital de tamanha magnitude não deveria ser omisso, mas detalhista em todos seus termos”.
No tocante à comprovação técnica, a Procuradora diz ter causado estranheza o Metrô não ter realizado diligências no Brasil. No entanto, nesse aspecto o MP parece ter ignorado vários detalhes do processo ao afirmar que a viagem “empreendida à China pelo METRÔ, no apagar das luzes do ano de 2019, quando muitas empresas entram em recesso, e cuja comitiva para lá enviada também poderia ter feito escala em DUBAI, sabidamente metade da viagem ao continente asiático para fins de averiguação dos documentos enviados em complementação pelo CONSÓRCIO SIGNALLING“.
Como explicou o Metrô, os funcionários já estavam na China na ocasião, em curso numa cidade próxima à sede da BYD. Sobre realizar diligências no Brasil, trata-se de averiguar a participação da Molinari no contrato de fornecimento de sistema de sinalização da Siemens para a Linha 4-Amarela, que opera no padrão GoA4, mas que só teria sido sugerida pela Signalling após desistir de comprovar experiência na Malásia e posteriormente ter sugerido outra diligência em Dubai.
A Procuradora também considera que o Metrô poderia ter divulgado os atos tomados na licitação durante suas decisões e não apenas no final. Eis aqui um ponto estranho na história porque se a Signalling soubesse antes que não havia sido aceita o que isso se refletiria no resultado se ela só poderia recorrer após a habilitação da BYD?
O Ministério Público ainda levanta uma informação até então desconhecida por este site, a de que a Signalling teria acusado a BYD de realizar “engenharia reversa” em seu projeto, ou seja, copiar trens e sistemas de outro fabricante por meio da desmontagem e análise de seus componentes.
Na visão da Procuradora Andréa Chiaratti, “o agravo de instrumento merece prosperar, suspendendo-se o contrato assinado entre o METRÔ e o CONSÓRCIO BYD, suspendendo-se igualmente seus efeitos, até final dos esclarecimentos”.
Futuro
Em resumo, há tantas indefinições sobre o processo licitatório e possibilidades de recursos que não será surpresa se a Justiça seguir impedindo sua execução. Um exemplo é o da primeira instância que, na hipótese de julgamento favorável à BYD, pode abrir espaço para novas contestações da Signalling.
Triste constatar que um contrato público pode ser alvo de tantos problemas sem que um centavo dele tenha sido gasto até agora. E que a disputa esteja entre uma empresa que mal implantou duas linhas pequenas com outra que nunca construiu um vagão sequer de monotrilho.