Em 2013, a CPTM realizou sua maior encomenda de trens ao licitar 65 unidades das séries 8500 e 9500, fabricadas pela CAF e Rotem, respectivamente. À empresa espanhola, que tornou-se a principal fornecedora da companhia de trens metropolitanos, coube a maior parte das unidades, um total de 35 trens. O objetivo era que essas novas composições pudessem aposentar praticamente todos os velhos trens herdados da CBTU, sobretudo nas linhas 11 e 7.
Enquanto a coreana Rotem contava com uma parceira nacional, a IESA, que montaria os trens no Brasil mas quebrou, a CAF saía em vantagem por ter uma fábrica própria no interior de São Paulo e que já tinha entregue as séries 7000, 7500 e 8000. Parecia ser um serviço corriqueiro afinal a Série 8500 trazia poucas diferenças para os trens que ela havia produzido anteriormente, mas na prática o contrato tornou-se uma dor de cabeça até hoje, seis anos após a sua assinatura.
A razão é que a encomenda, de mais de R$ 1 bilhão, deveria ter sido concluída em julho de 2016, portanto, há três anos, mas até hoje um dos trens não foi entregue à CPTM. Curiosamente, a CAF enviou o primeiro trem para a companhia em julho de 2015, ou seja, quatro anos depois a empresa ainda não conseguiu concluir a fabricação de 35 unidades.
Apenas para preparar o novo trem para prestar serviço, a CPTM levou um ano, liberando a primeira composição apenas em julho de 2016. Desde então, o ritmo de entregas foi se intensificando até o final do ano passado quando restavam apenas duas unidades para concluir a encomenda. Nesse meio tempo, no entanto, a CAF foi multada pelo governo pelos atrasos, mas mesmo não cumprindo com sua obrigações, a empresa espanhola participou da licitação dos oito trens que serão usados na Linha 13-Jade, desta vez perdendo a concorrência para a chinesa CRRC-Sifang.
No início da gestão Doria, a CPTM prometeu concluir a entrega dos 65 trens, mas em junho o último Série 9500 da Rotem foi colocado em serviço enquanto um 8500 continuou “desaparecido”. O site questionou a companhia sobre essa unidade via SIC (Sistema de Informação ao Cidadão) e recebeu a seguinte resposta: “O 35º da série 8500 ainda não foi entregue e atualmente passa por testes na fábrica. A Companhia prevê que o referido trem entre em operação até o final do ano“.
Suspeitas variadas
Nenhuma explicação sobre a razão do enorme atraso, mas de acordo com o perfil Paparazzi Ferroviário, a CAF teria retido o último trem por conta de o último pagamento da CPTM estar bloqueado a pedido do TCU, Tribunal de Contas da União. De fato, corre um processo no órgão sobre a licitação de trens da Trensurb e da CBTU, que foi vencida pelo consórcio Alstom e CAF, mas o site não conseguiu acesso aos seus detalhes.
Tentamos contato com a CAF no Brasil, mas o site da empresa está fora do ar. Também enviamos e-mail para a assessoria da CAF na matriz na Espanha, mas até o momento da publicação dessa nota não houve qualquer resposta.
Causa estranheza que uma empresa estabelecida no país tenha sua atuação tão questionada em diversos contratos públicos. E, sobretudo, que ela não se pronuncie ou esclareça as razões para esses suspeitas. Mesmo recebendo multas do governo do estado, a CAF não demonstrou nenhum tipo de preocupação em recuperar o tempo perdido em entregar a encomenda de trens. Para uma fabricante experiente como ela, levar praticamente o dobro do tempo para concluir o serviço soa como falta de responsabilidade.
Apesar desse cenário, a companhia segue apta a concorrer a outros negócios públicos mesmo após ter se envolvido no chamado “cartel dos trens” que foi condenado pelo CADE recentemente. Há coisas que só mesmo no Brasil.