O potencial imobiliário desperdiçado pelo Metrô

Incorporação de terrenos necessários para expansão das linhas gera altos custos para os cofres públicos além de atraso nas obras, mas poderia ser diferente
Estação Eucaliptos da Linha 5: “praças” áridas poderiam ter dado lugar a empreendimentos imobiliários (GESP)

O terreno possui pouco mais de 550 metros quadrados e se localiza na esquina das avenidas Ibirapuera e Rouxinol, no bairro de Moema, de alto padrão em São Paulo. Trata-se de um ponto comercial valioso numa das regiões mais ricas da capital e está disponível para aluguel mediante um pagamento mínimo de R$ 32 mil por mês. O contrato? Três anos possíveis de serem estendidos por mais três. Ao interessado caberá construir toda a infraestrutura destinada ao seu negócio, no entanto.

Mas, afinal, quem está oferecendo essa pechincha numa região cujo valor do metro quadrado é de cerca de R$ 100 para locação? Sim, é a Companhia do Metropolitano de São Paulo, mais conhecida como Metrô.

O terreno em questão serviu como canteiro de obras para a construção da extensão da Linha 5-Lilás e hoje é ocupado parcialmente por uma das saídas de emergência dos túneis. Os mais de 500 m² excedentes agora estão disponíveis para a concessão descrita acima. Os interessados participarão de um pregão eletrônico no dia 17 de outubro quando então será conhecido o valor final a ser pago para a companhia. Mas é possível afirmar que o Metrô receberá ao menos R$ 1,115 milhão em 36 meses de contrato além de deixar de arcar com os custos de manutenção do terreno e no fim receber de volta toda a infraestrutura construída pelo concessionário.

Trata-se de um bom negócio para a empresa, que recupera parte do investimento na desapropriação do terreno há quase dez anos. Mas poderia ser melhor ainda se o governo do estado – e a legislação brasileira – enxergasse a cessão desses terrenos de forma mais amigável e que explorasse todo o potencial comercial proporcionado por uma linha de metrô.

Sim, porque esse milhão de reais não é nada perante os R$ 740 milhões despendidos pelo estado para desapropriar uma área superior a 163 mil metros quadrados usada para implantar os 10 km de extensão da Linha 5-Lilás entre o Largo 13 e o poço Dionísio da Costa, próximo à estação Chácara Klabin. Desse total, pouca coisa de fato está ocupada na superfície por estações e poços de ventilação – sem contar o pátio Guido Caloi, que responde por boa parte dessa área.

Como se sabe hoje, a maior parte das novas estações da Linha 5 consiste de “praças” áridas que possuem pouca utilidade. Algumas delas acabaram voltando aos proprietários enquanto outras apenas recentemente voltaram a abrigar edificações. Para alguns cidadãos e empresas retiradas de seus imóveis isso significou uma mudança traumática, além do desgaste do processo judicial, caminho optado pelo governo para resolver as desapropriações.

O canteiro que será concedido para exploração comercial na avenida Ibirapuera: potencial desperdiçado (Google)

Área valorizada

No outro lado da história, o que vemos hoje é a valorização de regiões próximas às estações de metrô. O bairro de Butantã, por exemplo, vive um boom imobiliário no entorno da estação da Linha 4-Amarela. Com o crescimento da rede e a facilidade trazida pela velocidade das viagens, esses terrenos estão dando lugar a vários edifícios residenciais, comerciais e de uso misto, um benefício indireto provocado pelo Metrô, mas que não pôde tirar proveito dessa situação por uma questão burocrática já que terrenos desapropriados não podem ter destinação comercial direta.

Mas ao ignorar o potencial imobiliário das linhas de metrô, o poder público erra duplamente. Primeiro por despender dinheiro e tempo demais que atrasam a implantação desses novos ramais e segundo porque se desperdiça uma série de benefícios à sociedade.

Se a escolha dos terrenos não fosse traumática e sim focada em oferecer oportunidades ao mercado imobiliário poderia surgir daí uma disputa de empresas em assumir a construção de estações mediante o uso comercial da parte não operacional. Esses grupos poderiam negociar com os proprietários dos imóveis em condições mais lucrativas para ambos ou mesmo propor cotas de participação em futuros empreendimentos.

Nesse cenário, o Metrô se veria livre de vários problemas que incluem as desapropriações em si, mas também a entrega das estações que poderiam ser construídas de forma mais célere por uma simples razão, o parceiro privado teria todo o interesse de concluí-las para poder finalizar seu empreendimento. Quanto antes a linha seja aberta, mais valorizado será sua propriedade. É o famoso jogo do ganha-ganha: donos de imóveis, empresas, governo e a população teriam uma área requalificada e por valores mais baixos.

Para evitar a gentrificação, movimento do mercado que acaba expulsando classes mais baixas de lugares valorizados, bastaria criar contrapartidas como oferta de imóveis de baixa renda como parte desses empreeendimentos, por exemplo.

Terminal de ônibus da estação Ana Rosa: nas mãos da iniciativa privada (Foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas)
Terminal de ônibus da estação Ana Rosa: mudança de mentalidade no Metrô (Foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas)

Taxa no entorno

Outra possibilidade, embora mais polêmica, seria a criação de uma taxa a ser cobrada do comércio que será beneficiado por uma nova estação. Essa forma de arrecadação existe no Metrô de Londres e busca com isso abater os custos com a natural valorização do entorno de novos ramais em construção como a Elizabeth Line, hoje em construção.

Pode parecer injusto, mas basta imaginar como a estação Eucaliptos facilitou o acesso ao Shopping Ibirapuera e com isso beneficiou lojistas sem que houvesse qualquer contribuição desses estabelecimentos para o projeto.

O exemplo do imóvel da avenida Rouxinol é um grão de areia no deserto de terrenos que hoje poderiam ter outra função em vez de espaços vazios e inúteis. Desde o final da gestão passada, a companhia tem mudado essa postura e buscado explorar o potencial de áreas como os terminais de ônibus de algumas estações, o que é um bom sinal. O governo atual tem tentado mudar a cultura da empresa para que ela passe a focar em obter outras receitas que não a tarifária, mas é preciso ir além.

A rede metroferroviária possui uma importância estratégica para a Grande São Paulo. Ela dita muitas vezes os rumos do crescimento urbano e tem a capacidade única de requalificar regiões e organizar a ocupação do solo, pontos críticos da metrópole. Essa maravilhosa oportunidade não pode ser desperdiçada, bastando para isso “pensar fora da caixa”, como diz o ditado recente.

Em Londres, governo cobra taxa de comércios beneficiados por novas linhas de metrô com a Elizabeth Line (Crossrail)

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6 comments
  1. A utilização dos espaços deve ser avaliada à luz do Urbanismo. Entendo que não caiba colocar a perspectiva do mercado imobiliário (e da especulação imobiliária) à frente do debate. A cidade carece de praças e parques e a desapropriação é necessária para a fase de obras. Cabe discutir, sim, no meu entender, a qualidade da destinação pública dos espaços.

  2. Sem contar que a exploração comercial poderia criar bolsões de estacionamentos subterrâneos no mesmo terreno da estação, coisa que é rara em São Paulo.

    Não entendo essas praças gigantescas da Linha 5 que não servem para nada. Poderiam ser um espaço de convivência, ter serviços, comércio, food trucks. Elas têm espaço suficiente para fazer um drive through para embarque e desembarque de passageiros e todas têm um prédio gigantesco e subutilizado ao lado.

    1. Kyrodes, na verdade o “prédio gigantesco” TEM utilidade, sim.

      São as salas de operação da Via Mobilidade.

      Quando você vê uma estação do metrô vazia, não imagina que nesses prédios têm aproximadamente 50/60 pessoas trabalhando pra manter a linha operável.

      Att.

  3. Preocupado com terreno de 550 m² da rouxinol……. Da uma olhada no terreno ao lado da Estação Brooklin que você vai o que é desperdício….

  4. Eu tenho a minha “teoria”. Essas praças foram pensadas para um fluxo imenso de pessoas nas próximas décadas num cenário onde, por mais que o horário de pico seja absurdo, as pessoas poderão se deslocar pela praça ao invés de obstruir as ruas e calçadas da região.

    Esse cenário é mais factível em dias em que houver problemas críticos na linha (como não raramente ocorrem), colocando muitos dos passageiros do lado de fora à espera enquanto um mundaréu de gente desce pelas escadas rolantes.

    De qualquer forma, eu acho que essas praças embelezam a região.

    Eu prefiro elas que dão uma sensação maior de espaço e deslocamento do que entradas minúsculas e obstruídas nas calçadas como as entradas e saídas das estações da Paulista que, a cada dia, mostram-se mais saturadas.

    Abraços.

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