Entre tantas licitações lançadas pelo Metrô de São Paulo e questionadas na Justiça, tem chamado a atenção alguns editais que acabaram suspensos por determinação do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O órgão de controle das contas públicas do estado tem sido acionado várias vezes pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (SINAENCO), que tem protestado contra a opção da companhia de licitar serviços apenas pelo menor preço.
Na visão do SINAENCO, atividades como essas, que exigem um trabalho intelectual, devem também ser avaliadas pelo aspecto técnico. Com essas alegações, o sindicato conseguiu barrar licitações das linhas 19, 20 e, mais recentemente, na Linha 17-Ouro. Um desses processos foi julgado pelo TCE em 21 de outubro e acabou negado pelos conselheiros, o que permitiu que o Metrô retomasse o certame na semana passada.
O caso, no entanto, é exceção, já que na visão do TCE o escopo seria meramente de supervisão e fiscalização das obras remanescentes do ramal. Por isso, o órgão considerou improcedente o pedido do sindicato, ao contrário do processo que envolve a produção do projeto básico da Linha 19-Celeste. Nesse caso, julgado em setembro e que acolheu parcialmente as razões do SINAENCO, o Metrô foi instado a alterar o edital, porém, entrou com recurso, que ainda não havia sido apreciado até a publicação deste artigo.
Para tentar entender as razões que motivaram o SINAENCO a entrar na Justiça em várias licitações, o site enviou algumas questões ao sindicato. Para a entidade, o Metrô tem optado por lançar os editais apenas com seleção pelo menor preço a fim de ganhar tempo. Sem o aspecto técnico, haveria menos questionamentos e discussões técnicas que possibilitariam a sua judicialização. O site também tentou ouvir o Metrô de São Paulo, mas não obteve resposta.
Por que o SINAENCO defende uma seleção técnica e financeira nas licitações de fiscalização de obras e projetos? Em tese, as empresas participantes já não precisam se enquadrar em condições mínimas para serem homologadas?
Projetos, supervisão e fiscalização de obras são atividades essencialmente técnicas especializadas de natureza predominantemente intelectual, de concepção e elaboração futuras. Tratam-se de serviços de natureza singular, que dependem intrinsecamente da formação, da atualização técnica e tecnológica, da experiência e do conhecimento específico do objeto que detêm os profissionais alocados, bem como da estrutura organizacional, dos recursos financeiros, materiais e humanos, da expertise, dos controles de processos e da capacidade de aglutinação, gestão e coordenação da empresa que congrega os profissionais em questão.
Não são produtos físicos, sólidos, previamente produzidos, que possam ser visualizados, analisados e testados. Não são produtos padronizados ou industrializados, que sempre serão elaborados exatamente da mesma forma. Portanto, não se tratam de produtos de “prateleira”, ou seja, por depender de inúmeras variáveis estes serviços são únicos, exclusivos, não são repetitivos.
Pode-se estipular normas, diretrizes e parâmetros que são balizadores da execução, mas o produto final depende diretamente da atuação em conjunto e individual de cada um dos profissionais envolvidos, da metodologia de trabalho empregada e do conhecimento específico do objeto da contratação, resultando em soluções com eficiência e eficácia distintas, dependendo da contratada.
Cada projeto e cada supervisão de obra têm peculiaridades, impactos e condicionantes específicos e é fundamental avaliar qual licitante conseguiu identificar de forma mais abrangente estes aspectos e propôs o desenvolvimento dos trabalhos utilizando metodologias apropriadas, com possibilidade de obter os melhores resultados e evitar futuras surpresas, atrasos e aditivos de prazo ou preço.
Logo, é fundamental saber exatamente o que e como cada licitante irá trabalhar, para possibilitar uma avaliação de custo benefício da contratação, e isto só é possível quando os licitantes apresentam suas propostas técnicas.
Portanto não podem ser contratados simplesmente com base no preço; no menor preço. A contratação por menor preço só é válida quando a qualidade do produto é exatamente a mesma, independente do produtor ou fornecedor.
Como consta na pergunta, as licitantes precisam se enquadrar em condições mínimas, mas isto é apenas o mínimo, não é o “adequado”, nem tampouco o “melhor”. Pequenas diferenças em um projeto ou na supervisão de uma obra podem significar enormes diferenças nos custos de implantação, operação e manutenção de um empreendimento.
Ao licitar pelo menor preço, o contratante não sabe quão preparados estão os licitantes, se as metodologias e os programas de trabalho realmente podem atender à sua demanda, qual licitante tem conhecimento mais aprofundado para entregar o produto desejado.
Na opinião do sindicato, qual o motivo do Metrô ter lançado as licitações dessa forma?
Podem ser vários os motivos, dentre os quais pode-se destacar:
Um primeiro, e que o planejamento adequado elimina sua justificativa, seria para reduzir o tempo de contratação. Nas licitações com critério de julgamento da melhor técnica ou da melhor combinação de técnica e preço são necessários, para entrega das propostas, no mínimo quarenta e cinco dias úteis, contados a partir da publicação do edital, além do prazo para julgamento das propostas técnicas. Conforme citado, com um adequado planejamento, os prazos citados integram perfeitamente o cronograma de contratação e elaboração ou execução dos trabalhos.
Um segundo motivo poderia ser para evitar questionamentos sobre o julgamento das propostas técnicas, quer seja por parte de licitantes insatisfeitos com as notas recebidas, ou por órgãos de controle.
Poderíamos citar, ainda, a não compreensão ou conhecimento sobre os benefícios ou vantagens advindos de contratações com avaliações profundas sobre o conhecimento dos licitantes a respeito do escopo específico da licitação e da metodologia que será utilizada para desenvolvimento dos trabalhos. Apenas com estas avaliações o contratante tem a certeza de estar selecionando a licitante melhor preparada.
Como o sindicato vê a constante judicialização das licitações do Metrô? Falta clareza nos editais da companhia?
Os recentes casos de judicialização das licitações do Metrô decorreram de problemas diversos detectados nos processos licitatórios, dentre os quais destacaram-se:
Mudanças no critério de contratação de projetos, licitando o projeto de toda uma linha em apenas um lote, quando no passado era divido em vários lotes, trazendo inúmeros benefícios, tais como:
– Diminuição do risco de problemas na contratação, pois se ocorrer problema em um lote, os demais podem seguir em frente, sem serem impactados. Ainda mais hoje em dia, com a adoção da metodologia em BIM, que facilita extremamente a integração e verificação dos projetos elaborados em trechos, por projetistas distintos.
– Desenvolvimento de múltiplos fornecedores, sendo esta também uma questão estratégica que deve ser observada pela companhia. Como não são frequentes os contratos de novas linhas, contratando apenas uma empresa as demais desmobilizarão seus profissionais e/ou não manterão quadros atualizados técnica e tecnologicamente. Persistindo nesta intenção, o Metrô corre o risco de, em pouco tempo, ficar na mão de um único fornecedor.
Exigências restritivas, descabidas e imprecisas, como a solicitação de profissionais com certificação em determinado software, na versão mínima 2018.
– Descabida porque o profissional não deve comprovar experiência com o software e sim com os aspectos técnicos de engenharia envolvidos no projeto. Qual o problema de o projetista utilizar outro software, com que ele esteja mais habituado ou que seja mais adequado para determinado projeto, se o produto final for entregue no software e versão especificados no edital?
– Descabida também a certificação na versão 2018. A quase totalidade dos usuários de software aprendem em uma determinada versão, fazendo curso ou de forma autodidata, e se atualizam conforme vão surgindo as novas versões, sem necessidade de um curso e, portanto, não recebendo nenhum certificado.
Pouco importa se o projetista fez um curso de utilização do software, e muito menos se a versão é 2018.
– Imprecisa a exigência porque o Metrô não se preocupa em precisar de forma clara e objetiva em que consistiriam esses certificados, gerando uma considerável insegurança jurídica na comprovação deste item, à medida que eventuais proponentes não saberão ao certo, o que seria considerado “certificado” pela comissão de licitação. O que é a certificação no software? Quem fornece a certificação? Certificação com base em qual norma ou regulamento? Qual o conteúdo? Qual a carga horária? Serve o curso dado por uma faculdade? Em escolas de informática? Os cursos à distância? Ou apenas o curso do fornecedor do software? Além de comprar a licença, que pode ser anual, o projetista terá que fazer um curso a cada nova versão? É isto que o Metrô julga importante?
– Além da exigência de certificação em um determinado software, a certificação a partir de um período determinado de tempo restringe indevidamente a competividade da licitação, porquanto estabelece que não só haja uma certificação imprecisa, como que tal comprovação tenha ocorrido a partir de um ano específico, sem que também se justifique a razão para esse limite temporal.
Há alguma sugestão do SINAENCO para aprimorar esse trabalho?
O SINAENCO tem várias e deseja muito colaborar com os processos, para que ocorram boas e céleres contratações. Para isto, precisa apenas ser atendido.
Até mesmo nossas manifestações, quanto às não conformidades detectadas, realizadas ainda administrativamente, forneciam subsídios para ajuste dos processos licitatórios, mas, infelizmente, não foram consideradas, restando à entidade ingressar no judiciário.