Por que a Linha 7-Rubi sofre com tantos deslizamentos de terra? Veja como isso pode impactar o Trem Intercidades

Ramal da CPTM conta com pelo menos 46 pontos de erosão, sendo mais da metade em estado severo. Concessionária TIC Trens assumirá operação no final do ano
Relevo complexo é desafio para o Trem Intercidades (Jean Carlos)
Relevo complexo é desafio para o Trem Intercidades (Jean Carlos)

A Linha 7-Rubi passou por uma situação preocupante no início de fevereiro após um deslizamento de terra interditar as vias na região do Túnel do Botujuru e danificar fortemente um dos trens que passavam pelo local.

Este evento, apesar de causar espanto, não é algo raro e, acredite, já estava mapeado há pelo menos um ano e meio antes do acidente ter ocorrido.

Com a implantação do Trem Intercidades, a futura concessionária TIC Trens terá que enfrentar um dos maiores dilemas da Linha 7-Rubi, a complexidade e instabilidade geológica dos terrenos que cercam a ferrovia.

O assunto é denso, sendo necessário explicar passo a passo o que são as áreas de risco da Linha 7-Rubi, o motivo das ocorrências de deslizamento e como será possível evitar novas tragédias ambientais.

Trem da Série 9500 na estação Francisco Morato (Jean Carlos/SP Sobre Trilhos)

Sobre os pontos mapeados

Em março de 2023, a CPTM juntamente com a MRS, operadora de carga, e a JGP, licenciadora ambiental, fizeram o mapeamento de passivos ambientais da Linha 7-Rubi.

Um passivo ambiental é uma ocorrência de inadequação às normas ambientais que geraram ou poderão gerar danos às áreas afetadas. As empresas responsáveis pelo empreendimento têm a obrigação de sanar os passivos evitando problemas futuros.

Passivo Ambiental (CPTM)
Passivo Ambiental (CPTM)

O trecho entre Barra Funda e Campinas possui ao todo 71 passivos ambientais. Destas ocorrências, 46 são relativas a processos de erosão, ou seja, desgaste do solo superficial.

Destas, 29 podem oferecer perigo, ou seja, podem evoluir e causar danos à ferrovia. Dentre elas, duas se destacam, as ocorrências 21 e 22.

Passivo Ambiental no túnel do Botujuru (CPTM)
Passivo Ambiental no túnel do Botujuru (CPTM)

Essas ocorrências são justamente aquelas mapeadas na entrada do Túnel do Botujuru, exatamente no mesmo local onde ocorreu o deslizamento de terra. Neste caso, os problemas ambientais foram mapeados, não sanados e evoluíram para o colapso do solo.

O relatório ainda expõe pelo menos 14 ocorrências e efeitos erosivos de alta intensidade, ou seja, que já estão em estágio avançado e que podem avançar sobre a linha férrea se não forem tratados. Destacam-se os ativos 10 e 38 onde o solo está exposto.

Passivo Ambiental no túnel do Botujuru (CPTM)
Passivo Ambiental no túnel do Botujuru, onde houve o deslizamento de terra que atingiu o trem da Série 8500 (CPTM)

Segundo o item 8.1.8.1 do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do TIC Norte e SNO, “há uma tendência clara, com 65% dos passivos relacionados à erosão, o que sugere problemas potenciais com a manutenção do terreno ou do sistema de drenagem.”

Passivo Ambiental (CPTM)
Passivo Ambiental (CPTM)

Porque ocorrem deslizamentos

As ocorrências dos deslizamentos de terra e processos erosivos se devem principalmente a dois fatores, o tipo de solo e o índice pluviométrico – este último atua como catalisador das ocorrências.

Fator de solo

Basicamente existem dois tipos de solo que precisam ser vistos com mais atenção por apresentarem fragilidades que aumentam os riscos de erosão e consequentes deslizamentos. São eles o Argissolo e o Cambissolo.

O Argissolo possui alto teor de argila. Algumas das suas categorias possuem maior índice de fertilidade natural. Em relação a erosão, alguns de seus subtipos podem apresentar mais suscetibilidade a processos erosivos, dada aos níveis de infiltração superficial e subsuperficial.

Tipos de solo (CPTM)
Tipos de solo (CPTM)

O Cambissolo por sua vez apresenta o maior dos riscos. Eles solos minerais pouco desenvolvidos e são formados basicamente por silte e argila. Esse tipo de solo, pouco profundo, quando localizado nas encostas, necessita da adoção de técnicas especiais de estabilização devido ao fato de serem mais suscetíveis a processos erosivos.

Em geral, os solos com teor elevado de silte e argila são muito mais suscetíveis a processos erosivos causados por água.

Segundo o item 8.1.4.3 do EIA do Trem Intercidades e Segregação Noroeste, os tipos de solo com maior risco de solo são encontrados nas amostras CX9, CX10, PVA15, e PVA32 que são compostas por Argissolo Amarelo/Amarelo-Vermelho e Cambissolo Háplico.

Indicador de erodibilidade (CPTM)
Indicador de erodibilidade (CPTM)

A incidência desses solos está entre o Km 12+700 até 30+970 e no trecho 33+980 até 52+020, ou seja, existe ao menos 36,31 quilômetros de vias que estão sob áreas de fragilidade geotécnica e que exigirão medidas reforçadas para sua contenção.

Para facilitar a localização do trecho crítico, a incidência de erosão será maior no trecho entre Vila Clarice e Várzea Paulista, destacando-se os pontos onde a declividade é maior, seja por conta do relevo natural por por aterros e cortes executados para a implantação da ferrovia.

Solos existentes ao longo da Linha 7-Rubi (CPTM)
Solos existentes ao longo da Linha 7-Rubi (CPTM)

Fator de chuvas

Diante do mapeamento do solo realizado no EIA, é importante abordar de forma igual outro fator que tem capacidade de potencializar sobremaneira os danos causados por erosões, as chuvas.

Com o avanço das mudanças climáticas, o ritmo de chuvas intensas deverá se expandir nos próximos anos. O aumento de chuvas deverá ser 20% maior no período entre 2010-2040, 30% maior entre 2041-2070 e 50% maior entre 2071-2100.

A tendência da temperatura média é aumentar, assim como as precipitações. Os dias serão mais quentes e as ondas de calor serão mais prolongadas. O relatório aponta o seguinte cenário:

“Essas mudanças acarretarão alterações nos cenários de risco, intensificando a ocorrência de inundações nas áreas ribeirinhas e vias públicas, aumentando os deslizamentos de terra em encostas e elevando os riscos de enchentes e deslizamentos.”

Risco climático trará aumento de chuvas (CPTM)
Risco climático trará aumento de chuvas (CPTM)

Medidas de mitigação

As obras do Trem Intercidades e da Segregação Noroeste deverão ser um dos maiores desafios de engenharia das últimas décadas. Serão implantadas ao menos duas novas vias para o tráfego de trens de carga e passageiros, além dos cruzamentos.

Em algumas áreas o número de vias alinhadas poderá chegar até cinco. Isso necessitará de um grande espaço que muitas vezes está indisponível dada as condições geográficas ao redor.

Disponibilizar este espaço vai requerer um trabalho em duas frentes. Enquanto em alguns trechos será necessário realizar o corte de morros, em outro aterros deverão complementar a futura plataforma ferroviária.

O volume de movimentação de terra é expressivo. Serão aproximadamente 3 milhões de m³ de terra e rocha escavados, além dos aterros a serem implantados. O EIA do projeto relata que ao longo do trajeto diversos locais deverão ser interceptados pelas atividades de movimentação de solo.

Expansão de vias para a implantação do TIC e via da MRS (CPTM)
Expansão de vias para a implantação do TIC e via da MRS (CPTM)

O destaque especial vai para a região de Botujuru que possui grandes fragilidades.

“Nesse local, a intensa movimentação de máquinas e de materiais escavados constitui fatores condicionantes da maior suscetibilidade aos processos de alteração de encostas e erosão, que, somados às características destes terrenos, de morros e encostas íngremes, podem potencialmente resultar na ocorrência de processos erosivos e movimentos de massa.”

A implantação dos dois novos túneis na região também poderão gerar efeitos adversos na estabilidade do solo, gerando deslocamentos e aumento de processos erosivos. Em geral, todo o trecho da Linha 7-Rubi possui suscetibilidade para eventos de dinâmica indesejada do solo.

Para evitar estes problemas foram elaborados três planos de ação. São eles:

  • P1.2 – Programa de Adequação Ambiental do Projeto
  • P1.10 – Programa de Monitoramento de Processos Erosivos e de Assoreamento
  • P2.6 – Programa de Prevenção e de Gerenciamento de Passivos Ambientais
Túnel do Botujuru é um ponto complexo do projeto (Jean Carlos)
Túnel do Botujuru é um ponto complexo do projeto (Jean Carlos)

O objetivo do P1.2 é a minimização dos impactos ambientais optando por soluções de engenharia que tragam maior eficácia e menor efeito social durante a construção do empreendimento.

Dentro deste programa estão englobados ajustes finos no traçado geral, otimização dos projetos executivos de terraplenagem e contenções, além de adequação dos projetos de drenagem.

O objetivo do P1.10 é identificar o processo e desenvolvimento de erosões, bem como conter sua ocorrência minimizando os impactos destes ao longo do empreendimento.

A metodologia adotada será a identificação e cadastro das áreas sujeitas a instabilidades, sendo obrigatórios em áreas com mais de 20 metros de altura, em áreas com mais de 70 metros lineares e 8 metros de altura e nos emboques de túneis.

As vistorias de rotina serão feita a cada quatro meses, podendo ser intensificadas em períodos de chuva.

Questões geológicas e geotécnicas podem gerar reequilíbrio de contrato (Jean Carlos)
Questões geológicas e geotécnicas podem gerar reequilíbrio de contrato (Jean Carlos)

Por fim, o objetivo do P2.6 é a identificação dos passivos ambientais e sua recuperação, bem como o tratamento das áreas contaminadas ao longo do trecho.

Dentro do plano de trabalho está englobado o monitoramento e recuperação dos processos erosivos através do mapeamento das ocorrências e a ação para sua recuperação e estabilização. Adequações nos sistemas de drenagem, forração vegetal e estruturas de contenção são previstas no plano.

O EIA estabelece que os efeitos do processo de dinâmica superficial é negativa, afeta  diretamente as obras, possui alta importância e ocorrência certa. Entretanto, o evento é de curto prazo e pode ser revertido.

Funcionários da CPTM poderão ser contratados por consorcio privado (Jean Carlos)
Trecho da Linha 7-Rubi em Pirituba (Jean Carlos)

Conclusão

Os acidentes ocorridos na Linha 7-Rubi não são um caso isolado e tampouco são imprevisíveis. Pelo contrário, tais ocorrências se repetem e os pontos de fragilidade são conhecidos.

Infelizmente, é sempre necessário que ocorra algum desastre para que haja efetiva movimentação das empresas responsáveis pelos ativos. Agora concedida, a Linha 7-Rubi e o futuro Trem Intercidades deverão estar sob administração de um consórcio sino-brasileiro.

Apesar da mudança na direção, que ocorrerá efetivamente em novembro de 2025, os eventos adversos continuam existindo e sua complexidade só irá aumentar com o início das obras de ampliação das vias férreas.

Trem Intercidades deverá ter alta complexidade de implantação (Jean Carlos)
Trem Intercidades deverá ter alta complexidade de implantação (Jean Carlos)

Esta é uma grande oportunidade para sanar de uma vez por todas este grande problema que assola a região noroeste da região metropolitana. O local, que é praticamente isolado, vê no trem o meio preferencial de deslocamento para o centro.

A resolução dos problemas agora deverá receber ação proativa, e não mais reativa. A efetividade dependerá unicamente da aplicação correta dos planos estabelecidos no EIA.

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