Quem vai pagar a tarifa do transporte público no Brasil?

Deficitário e muitas vezes ineficiente, sistema de transporte coletivo tende a funcionar cada vez mais com subsídios
Linha 4-Amarela: ViaQuatro e outras concessionárias privadas podem ter prejuízo de mais de R$ 2 bilhões
Linha 4-Amarela: ViaQuatro e outras concessionárias privadas podem ter prejuízo de mais de R$ 2 bilhões
Linha 4-Amarela: Metrô negou recursos, abrindo caminho para assinatura do contrato
Estação da Linha 4-Amarela: com cada vez mais subsídios, tarifa do transporte público cairá no bolso do contribuinte

Duas situações sem aparente conexão demonstram como o sistema de transporte público no Brasil é ineficaz e incapaz de resolver os problemas de mobilidade nas grandes e médias cidades. Em São Paulo, a Justiça concedeu ganho de causa ao governo do estado para reajustar as tarifas de integração entre ônibus e trens após meses de impasse. A tarifa simples continua a custar R$ 3,80, mas faz crer que os subsídios ao sistema deverão crescer já que os custos continuam a subir e o programa de concessões da gestão Alckmin deverá garantir o repasse automático de recursos às empresas prestadoras de serviço.

Já no Rio de Janeiro, a operadora privada da Linha 4, mais recente ramal de metrô da cidade, foi obrigada a ‘promover’ seus serviços diante da baixa adesão do público. Depois de mais um semana de gratuidade, a concessionária MetrôRio baixou a tarifa para R$ 3,00 até o final do mês de abril na expectativa de atrair demanda para a linha, que opera com apenas 140 mil passageiros por dia, menos da metade da previsão inicial. A solução está justamente no que em São Paulo é ‘problema’, a integração entre os serviços, o chamado bilhete único.

A situação das duas maiores metrópoles brasileiras é um retrato da politização excessiva do transporte público. Nas mãos de partidos políticos, a gestão do serviço tem sido pouco racional, priorizando obras com fins eleitoreiros e uma equação de custos e receita que faz o caixa público sangrar. No Rio, enquanto não houver algum tipo de integração capaz de unir ônibus e metrô por um preço que caiba no bolso do usuário, a Linha 4 servirá mais como um trem turístico do que um projeto capaz de tirar automóveis das ruas, talvez a tarefa mais difícil hoje no país.

Conta no bolso de todos

Tornar o transporte público acessível e integrado, no entanto, também é um grande problema. Em São Paulo, Metrô e CPTM perderam o sentido de ‘empresas’. Como não têm direito à receita proveniente do bilhete único e do BOM, as duas companhias têm gerado prejuízos além de não possuírem autonomia para tocar projetos de modernização e expansão – essa tarefa cabe à Secretaria de Transportes Metropolitanos, órgão gerido por pessoal indicado pelo governador Geraldo Alckmin.

A lógica da divisão de receitas desse sistema, que é administrada por um caixa único, é pagar prioritariamente a concessionária, no momento a ViaQuatro, que administra a Linha 4-Amarela, a SPTrans, órgão municipal que repassa os recursos para as viações de ônibus e só então a Companhia do Metropolitano de São Paulo e a CPTM, com o que sobrar nessa conta (mais a receita com a venda de bilhetes unitários, a única que vai direto para o caixa delas). Somado às gratuidades que só crescem ano a ano há um enorme rombo, inclusive no Metrô que até então era considerada uma empresa sustentável financeiramente.

O problema é que a tendência é que mais concessões sejam aprovadas e com elas o desembolso obrigatório pelo governo só aumente, fazendo com que o sistema seja incapaz de sustentar os custos do transporte sobre trilhos em São Paulo. Isso significa na prática que todos os contribuintes ‘pagarão passagem’ num futuro breve, mas sem que façam uma única viagem – será preciso pagar novamente para isso.

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Lógica de mercado

O fator social tem contribuído para esse desequilíbrio. O transporte público é considerado um direito básico no Brasil, porém, sem obras e projetos que reestruturem e reorganizem as cidades a prática de tarifas subsidiadas estimula grandes deslocamentos pela rede, que causam enorme prejuízo no sistema. Pegue-se o exemplo da Linha 3-Vermelha, de São Paulo, uma das mais lotadas do mundo. Grande parte dos passageiros embarca pela manhã nas estações mais distantes e viaja a bordo do trem até quase o extremo oposto. Eles custam muito porque usam o trem por muito tempo e impedem que haja uma troca de usuários pelo caminho. Para suprir a demanda é preciso colocar muitos trens em operação e ainda assim a linha opera sempre próxima do limite.

Já linhas como a 1-Azul têm uma distribuição mais equilibrada, movimentando mais pessoas sem a mesma lotação. Uma solução está em trazer mais habitantes para as regiões mais centrais, muitas delas com baixa demografia causada pela especulação imobiliária de décadas. A outra saída, que existe em cidades desenvolvidas, é impossível de ser adotada no Brasil, a tarifa por zonas.

Em cidades como Paris ou Londres, o passageiro paga pelas regiões que atravessa. Se usar o transporte em áreas centrais paga menos, se atravessar várias zonas pagará mais. Se existisse no Brasil, a tarifa mais barata nas regiões centrais poderia atrair usuários de automóveis já que o custo seria bem mais barato que o preço do combustível e do estacionamento. Mas hoje os R$ 7,60 (valor mínimo de ida e volta) cobrados em São Paulo não são suficientes para compensar o desconforto e imprevisibilidade do serviço. Dependendo do caso, gasta-se o mesmo com o combustível e estaciona-se o carro na rua, dependendo da região.

Isso tornaria a tarifa mais justa, porém, num país desigual como o Brasil significa punir os mais pobres. Ou seja, vivemos num impasse. Se cobramos caro o serviço não há passageiros, se cobramos muito barato surge a superlotação.

Mesmo fim da CMTC

A cereja no bolo está na ineficiência das prestadoras de serviço, sejam elas públicas ou privadas. As reclamações contra a CPTM, por exemplo, são recorrentes, sobretudo na demora em resolver problemas de décadas como vias com velocidade reduzida, trens antigos ou estações mal conservadas. A má qualidade do serviço prestado por sua ‘irmã’, a Supervia do Rio, também salta aos olhos e lá trata-se de uma concessionária privada.

E o que dizer dos ônibus? Dominado por viações antigas e cooperativas, o transporte coletivo da cidade de São Paulo é um desastre há anos: veículos velhos ou mal conservados, motoristas estressados e dirigindo imprudentemente, linhas tortuosas e que se sobrepõem, filas de ônibus em corredores causando velocidade baixa ao sistema e a figura do cobrador, profissional que perdeu o sentido desde a implantação do cartão eletrônico. No entanto, o serviço suga mais recursos da prefeitura a cada ano que passa.

Os sindicatos dessas empresas têm ‘ajudado’ a reduzir sua importância. Greves por motivações ideológicas ou até para cobrar uma participação nos resultados (de uma empresa que dá prejuízos seguidos), como ocorreu com o sindicato das Linhas 10 e 7 da CPTM, param o serviço, que já não goza de grande reputação pela população. Esvaziadas pela concessões, o Metrô e a CPTM podem desaparecer como ocorreu com a CMTC, companhia responsável pelos ônibus na capital paulista, fechada em 1995 quando era sinônimo de ineficiência.

Como se vê, a grande questão a respeito do transporte público no Brasil não está no público ou no privado e sim em tornar o sistema eficiente e justo. Não basta uma medida isolada, mas um conjunto de ações que começa na despolitização do setor e que estipule um horizonte de longo prazo (e não apenas a cada pleito eleitoral) e que termina numa gestão pautada por resultados e aprovada pelos seus usuários. Sem isso, continuaremos a ter distorções como trens lotados em São Paulo e vazios no Rio de Janeiro.

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