O governador João Doria tem pressa, muita pressa. Em suas ações nos primeiros seis meses da gestão destacam-se a busca por soluções rápidas e negociadas capazes de destravar projetos que estão há muito tempo empacados. Mas a realidade no setor metroferroviário tem se mostrado indigesta para o político do PSDB. Não basta apenas “sacudir a poeira” que havia sobre algumas soluções de mobilidade, é preciso planejar e seguir ritos legais à risca para que elas saiam do papel.
Nesta quarta-feira, o site revelou que o projeto do “People Mover” que será implantado no Aeroporto de Guarulhos para ligá-lo à estação da CPTM ainda está longe de começar a ser construído. Apesar de ser uma empresa privada, a GRU Airport, que administra o aeroporto, não pode simplesmente escolher a empresa que bem entender para viabilizar o projeto. Será preciso, como ocorrerá nesta quinta-feira inclusive, ouvir interessados e modelar o projeto que então será apresentado ao governo federal, que é quem de fato financiará a obra.
Não é só. Será preciso assinar um aditivo no contrato entre a ANAC, a agência de aviação civil, e a concessionária, para que então seja permitido que parte da outorga devida ao governo seja usada pela GRU na construção do sistema de transporte, a despeito de o governo paulista ter tentado “ajudar” no processo indicando soluções. Além disso, não bastará apenas o acordo verbal entre Doria e o Ministro da Infraestrutura Tarcisio de Freitas para que a União arque com o projeto e sim um ofício em que o governo do estado buscará justificativas para viabilizar sua necessidade, sem falar na anuência do TCU, o Tribunal de Contas da União, responsável por evitar abusos com o dinheiro público.
Etapas obrigatórias
Situação parecida vive o plano de mobilidade pensado pela gestão Doria para o ABC Paulista. Após cancelar a Linha 18-Bronze em julho, o governo prometeu apresentar os detalhes de vários novos projetos para os prefeitos da região no dia 6 de agosto. Mas o encontro nunca ocorreu. Questionada sobre o assunto, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos enviou a seguinte explicação: “As modelagens técnico-financeiras para implantação do BRT e da Linha 20-Rosa estão em estudo e serão divulgadas no menor prazo possível. Quanto ao Consórcio VemABC, as tratativas estão sendo realizadas pelo órgão responsável dentro do Estado, submetido ao Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (CGPPP)“. Mais um sinal de que não há como atropelar processos em se tratanto de obras complexas como essas.
Entre as justificativas de Doria para a troca do monotrilho pelo corredor de ônibus rápido estava justamente a rapidez da obra, mas não há como iniciar algo assim do nada. Até que o primeiro canteiro de obras surja no ABC serão necessárias várias etapas de projeto, licitações, licenciamentos e desapropriações, que já estavam equalizadas no caso do monotrilho. Ou seja, cada vez mais está claro que o aspecto do prazo não tinha mesmo qualquer influência na decisão.
Sobre a Linha 20-Rosa, não há surpresas. O projeto é extremamente complexo e caro e está em um estágio ainda precoce, como o site explicou recentemente. Nada disso, no entanto, impediu que o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, divulgasse o ramal de metrô como algo palpável, um evidente ato de hipocrisia do político perante a população do município.
É fato que boa parte dos problemas enfrentados por Doria foi herdada de seu padrinho político, o ex-governador Geraldo Alckmin. Basta constatar o absurdo da construção do trecho norte do Rodoanel, obra que, mesmo consumido bilhões, ainda está longe de ficar pronta após seis anos de trabalhos irregulares. No entanto, ao buscar uma solução rápida o atual governador pode agravar ainda mais algumas situações.
O caso da Linha 2-Verde é bem ilustrativo. A extensão até Guarulhos está licitada desde 2013, início da crise econômica e dos escândalos da Lava Jato, mas não recebeu luz verde de Alckmin na época por falta de recursos – embora tivesse um empréstimo aprovado do BNDES. Passado todo esse tempo, parte das construtoras que venceu lotes encontra-se em situação precária como a Mendes Junior e a CR Almeida, além de terem seus contratos em outros projetos rescindidos pelo estado. Em tese, elas não deveriam assumir novas obras, mas por um capricho da legislação isso é possível por conta do contrato ser anterior a esse fato. Na prática, são empresas cuja lisura e saúde financeira são suspeitas e que podem repetir os problemas na expansão da Linha 2, porém, Doria decidiu seguir em frente para não perder tempo em uma nova licitação.
Saída pelo privado
Mesmo quando o governador tem buscado salvação no setor privado, as coisas não têm saído como esperado. O impasse da Linha 6-Laranja demonstra isso. O contrato estava prestes a ter sua caducidade decretada neste mês por iniciativa da gestão passada após a frustrada venda da Move São Paulo, responsável pela construção e operação do ramal, para um grupo asiático. Ao assumir o governo, Doria enxergou nessa atitude um atraso ainda maior no projeto por obrigar a uma nova licitação além de uma disputa nos tribunais sobre o espólio da obra.
O diagnóstico foi acertado, afinal qualquer judicialização no Brasil significa anos de disputas que acarretam mais prejuízos do que às vezes o próprio problema em si. A solução, então, foi tentar encontrar grupos interessados em assumir o projeto novamente, no que Doria parece ter sido bem sucedido ao indicar três grupos empresariais, um deles o chinês CRRC.
Ainda que a saída dependa basicamente de discussões entre entes privados, novamente a complexidade de projetos de infraestrutura como esse, cujo valor está acima dos R$ 10 bilhões, exige muita negociação, o que obrigou o governo do estado a prorrogar o prazo de caducidade para novembro a fim de dar tempo para que essas empresas entrem em um acordo, mas postergando mais uma vez uma definição.
Todo esse quadro apenas reforça a tese de que o planejamento do transporte coletivo nas grandes regiões metropolitanas precisa o quanto antes ser retirado do escopo político. Decisões sobre projetos, modais, tarifas e receitas têm de ser feitas por um órgão técnico e independente, blindado contra mandos e desmandos de governadores e prefeitos. A falta de continuidade dessas políticas é uma das causas de tantos projetos frustrados ou incompletos, sem falar no dinheiro público desperdiçado.
Não há milagre que produza resultados imediatos em mobilidade urbana de qualidade, ela depende de estudos sérios e de um cronograma integrado e de longo prazo que só uma autoridade metropolitana poderia gerir. O próprio secretário dos Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, tem dito em audiências que esse assunto é prioritário, embora reconheça ser difícil convencer prefeitos a abrir mão de cuidar do transporte coletivo de seus municípios. Mas é um caminho sem volta se não quisermos ver obras como as linhas 6-Laranja, 2-Verde e 18-Bronze gerarem tanto barulho por nada.
Essa história vai longe, a linha 15 prata do monotrilho está enrolada, desde abril estão para assinar o contrato para a via mobilidade e todo mês essa assinatura é prorrogada, prejudicando a espera da concessionária.
Realmente bem patética essa propaganda que o Prefeito de SBC divulgou nas redes sociais.
Infelizmente Dória e muitos outros que se elegeram como mártires contra a ineficiência estatal demonstram que as coisas não são tão simples como imaginam. Há problemas de ineficiência na máquina pública? Há enormes problemas de burocracia? Sem sombra de dúvidas, mas além disso deve existir a compreensão que a solução para políticas públicas (no caso a de mobilidade urbana) são altamente complexas. Como uma vez disse uma nota do Metrô diante de uma campanha para o Governo do Estado de São Paulo, onde candidatos alegavam que iriam expandir algumas linhas metroviárias, “não basta sair fazendo riscos sobre o mapa metroferroviário”, em alusão a projetos de expansão sem qualquer estudo de origem e demanda.
Eu, de forma muito sincera, torço para que muitas das ideias se concretizem, mas o grande problema disso tudo é que essa noção de “nova política” traz consigo muitos vícios da velha política: cheia de medidas imediatas e que não são analisadas no médio e longo prazo, que correspondem ao momento em que a bomba estoura geralmente. O BRT no lugar de uma linha do monotrilho no ABC é um exemplo disso, pois somente consigo verificar uma análise da demanda atual, não levando em consideração que o Metrô traz consigo uma expansão natural da demanda, além de uma melhora e valorização do seu entorno.
Fora isso dizer que teremos a Linha 20 – Rosa em São Bernardo (onde sequer há estudos neste sentido), que a CPTM terá portas nas plataformas a semelhança do Metrô quando na verdade temos estações que SEQUER possuem acesso com mobilidade e composições com intervalos enormes por conta de ausência de sistema de sinalização adequado é não levar em conta a realidade dos fatos, além da receita seja do Governo, seja das empresas. Claro que há a necessidade de ser feito esse agito para mudar o cenário, mas são medidas que na melhor das expectativas, somente terão efeito daqui uns 5 anos.
É preciso ter os pés no chão e não ser apenas gestor do momento. Pensando sob uma perspectiva de gestão, o olhar deve ir muito mais além do hoje, de forma a termos uma constância nos serviços prestados.